|nº 136| Set 08

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O “overshooting” no mercado global


Por Luis Nassif

Há tempos, o mercado consolidou a expressão “overshooting” para classificar os movimentos agudos do mercado em qualquer direção – na alta e na baixa.
Há um conjunto de razões para isso.
Dos anos 80 para cá, os avanços da telemática permitiram a integração dos diversos mercados mundiais. Cada vez mais, as negociações foram transferidas para Bolsas, desde commodities, como petróleo, até imóveis.
Ao mesmo tempo, houve uma enorme expansão da liquidez internacional, promovida por políticas monetárias frouxas praticadas pelo Fed (o Banco Central norte-americano).
Para dar conta dessa enorme oferta de recursos, o mercado passou a criar novas ferramentas financeiras, das quais as mais destacadas foram os derivativos – operações “derivadas” de uma operação original.
Por exemplo, se compro ou vendo uma ação no mercado à vista (ou mesmo no mercado a termo) estou tratando de uma operação original. Em cima disso, foi criado o mercado de opções. Nele, uma ponta “vende” uma ação para entrega futura, sem dispor da ação. E a outra “compra” a ação sem dispor do dinheiro. Toda a negociação se dá em torno da oscilação das cotações. Se a cotação cai abaixo do preço combinado, o comprador paga a diferença; se sobe, a diferença é paga pelo vendedor.
Outras modalidades surgiram nesse período. No caso do mercado hipotecário norte-americano, por exemplo, a crise dos subprimes levou o jogo ao limite da responsabilidade.
A empresa de hipotecas concedia um financiamento. Depois, pegava sua carteira e vendia para um fundo. Recebia o dinheiro e concedia mais financiamentos. O fundo, por sua vez, dividia a carteira em vários blocos, de acordo com o maior ou menor risco do financiamento. Aqueles com risco maior de recebimento (por insuficiência de garantias ou de renda do mutuário) eram separados em uma carteira e vendidos para fundos especulativos, que aceitavam receber uma taxa maior de juros para correr o risco maior da inadimplência.
Criou-se um enorme castelo, com operações derivadas de outras operações derivadas, mas todas elas dependendo da capacidade do mutuário honrar os compromissos no início do processo.
Esse castelo de cartas começou a ruir quando estourou a crise de inadimplência e foi derrubando todos os investidores que haviam apostado no “subprime”.
Aí se mostrou, em sua plenitude, um movimento de manada já estudado por economistas a partir dos princípios da Física, da chamada “teoria do caos”.
Mal comparando, é como um barco que tivesse, no convés, inúmeros pesos soltos. No primeiro balanço, os pesos vão todos para um lado do barco ampliando o movimento. Quando o barco retorna ao ponto anterior, os pesos voltam com mais força, acentuando novamente o movimento. Até que o barco vire.
Com a integração das bolsas mundiais, o papel dos gestores passou cada vez mais a ser o de identifi car ativos considerados baratos para comprá-los; e identifi car os caros, para vendê-los. É por aí que se entendem os movimentos de manada que estão sacudindo os mercados.
Em geral, o valor de um investimento é calculado em função dos chamados fundamentos da empresa ou do setor. Avalia-se quanto a empresa proporcionará de dividendos ao longo de determinado período. A partir daí se calcula o preço da ação e se coloca um desconto, dependendo da maior ou menor volatilidade do mercado em que ela atua.
Feita essa conta sobre o chamado “preço justo” da empresa, o mercado não avalia se determinado ativo é bom ou ruim, mas se está barato ou caro.
Suponha que precisa escolher entre duas empresas de um mesmo setor, uma valendo, digamos US$ 10,00 a ação; outra valendo US$ 100,00. É evidente que a segunda é melhor que a primeira. Mas se o valor da primeira passar de US$ 10,00 para US$ 20,00 o lucro do investidor será de 100%. Se a segunda passar de US$ 100,00 para US$ 110,00, seu lucro será de 10%.
Por isso, a lógica do investidor será aplicar na empresa menos valorizada. Esse movimento é acompanhado por outros investidores, fazendo com que os papéis da empresa se valorizem. Quando o valor chega a, digamos, US$ 50,00, o primeiro investidor julga que a empresa está começando a ficar cara. Vende sua posição e vai atrás de empresas mais baratas. Com as vendas, o valor da empresa deixa de crescer. Se muitos investidores vendem seus papéis, o valor da empresa despenca.
Para saber se é hora de sair, o investidor não se limitará a analisar os resultados das empresas, mas o comportamento dos outros investidores.
Essa é a raiz de todo esse terremoto. Com o excesso de dinheiro em circulação, o livre movimento dos capitais voláteis, perderam-se os parâmetros nos fundamentos da companhia. Bastava uma companhia (ou setor, ou commodity) apresentar uma leve tendência de alta, para que atraísse fundos especulativos que acentuavam a alta; e vice-versa, quando os preços começavam a desabar.
Por exemplo, quando estourou a crise do subprime, a economia americana ficou fragilizada. O dólar já está em queda livre. Assustados com a perda de valor do dólar, os fundos especulativos procuraram novas alternativas nos commodities. Fugiram para soja, petróleo, trigo, explodindo suas cotações.
Quando perceberam que os preços estavam caros, pularam fora, fazendo as cotações despencarem.

O jornalista econômico Luis Nassif foi colunista dos maiores jornais do país, como a Folha de S.Paulo. Atualmente tem um blog no provedor IG (http://projetobr.com.br/web/blog/4) e foi introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. volta ao topo