O mundo no centro da empresa
Com a habilidade característica dos bons professores, José Fernando Pinto dos Santos fala sobre a internacionalização de empresas em que a PREVI investe, como Vale e Embraer. Explica conceitos que, apesar de muito usados, não são compreendidos profundamente, como globalização e especialização. Fala também de termos mais novos como empresa metanacional. Lusitano do Porto, José Santos mora atualmente na França e leciona no Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios). Em entrevista concedida durante visita à PREVI, sintetiza boa parte do que foi discutido no Encontro de Conselheiros realizado em junho, do qual foi palestrante.
Revista PREVI - Para muitas empresas, o processo de internacionalização é imperativo para seu crescimento e, em casos mais drásticos, até mesmo para sua sobrevivência. O que é fundamental ter em mente antes de dar o passo inicial?
José Fernando Pinto dos Santos - É preciso compreender que internacionalização da empresa é muito diferente da exportação. Empresas do setor secundário que já exportam por vezes entendem que internacionalização é um pequeno passo. Como se fosse abrir um escritório, comprar uma empresa ou ter um centro de logística lá fora. Mas internacionalização de empresa é muito diferente da internacionalização dos negócios da empresa. A empresa internacionaliza-se apenas quando sua organização passa a integrar pessoas de vários povos e isso é uma mudança total, uma renovação da empresa. Portanto, antes de dar esse passo, é muito importante que os dirigentes da empresa discutam as implicações que esse passo vai ter.
Revista - Na prática, o que ocorre na empresa que se internacionaliza?
Santos - A empresa passa a ter no seu interior pessoas de outro país. Não são somente clientes de outro país; são pessoas de outro país. Por exemplo, a identificação da empresa com o país de origem passa a ser problemática. Se a empresa brasileira tiver uma fábrica ou um escritório na Argentina e os seus dirigentes disserem aos funcionários argentinos “a nossa empresa contribui para o desenvolvimento do Brasil”, os argentinos vão dizer “então eu contribuo para o desenvolvimento do Brasil? Mas eu quero contribuir para o desenvolvimento do meu país”. A empresa internacional passa a contribuir para o desenvolvimento de vários países e a usufruir de vários países. Os dirigentes têm que se adequar a essa mudança, senão podem cometer erros gravíssimos sem perceber. É uma mudança que tem que ser bem compreendida.
Revista - A essência então é uma mudança na gestão?
Santos - Sim. Porque a internacionalização é de empresa não é do negócio. A importação/ exportação é uma coisa; internacionalização, outra. Empresas brasileiras estão habituadas ao comércio internacional há centenas de anos. Sempre o Brasil exportou e sempre o Brasil importou, devido aos seus recursos naturais. O país é bonito por natureza, assim diz a canção, não é? Pode usar a natureza como fonte importante do seu desenvolvimento. Comércio internacional no Brasil é uma coisa normal e internacionalização da empresa não é tão normal, porque é recente, muito recente. É normal que as empresas tenham dificuldades. É um processo 80% novo, em que há pouca experiência. Não há mal nenhum que tenham dificuldade, uma vez que vão fazer coisas que não estavam habituadas.
Revista - O senhor costuma dizer que há quatro desafios para a internacionalização de uma empresa: renovação, especialização, globalização e revelação. Explique.
Santos - Renovação é aquilo que já falei. Uma empresa ao internacionalizar-se renova a sua organização, na medida em que absorve outros povos no seu interior. Ao mesmo tempo, vai haver uma profunda alteração dos ambientes com que a empresa interage diretamente, não só clientes e fornecedores, mas políticos, jornalistas, sindicato e o público em geral. A empresa passa a estar presente em vários países e, portanto, passa a interagir de modo muito mais variado com mais ambientes, da própria organização. Dez, quinze, vinte anos depois, essa é uma empresa nova. E essa renovação demora; não ocorre em um ano. Acontece em cinco, dez, quinze anos, porque a internacionalização é um processo longo.
Revista - E a especialização?
Santos - O desafio da especialização tem duas partes diferentes. Significa compreender que aquilo que a empresa faz em seu país, seja lá o que for – não necessariamente só o modo como faz seu negócio, mas como escolhe, promove e paga as pessoas, como estrutura sua organização – não pode ser igual em todo o mundo e, portanto, algumas coisas vão ter que ser adaptadas localmente. Se uma empresa francesa vai para os Estados Unidos, vai ter que especializar algumas de suas áreas, condições, processos, sistemas, aos Estados Unidos. Por outro lado, no mundo de hoje, essa especialização pode ser para o mundo inteiro, isto é, a empresa pode reconhecer que uma certa função pode ser feita num país e valer para todos países onde a empresa está. Por exemplo, uma empresa pode decidir, mesmo sendo francesa na origem, que sua filial americana é que vai fazer a publicidade para o mundo inteiro, incluindo a França. É muito difícil aceitar quando algo feito em outro país passa a ter efeito na própria origem. Há uma tentação de pensar “se nós formos pra lá, nós faremos melhor”. Esse é o desafio da especialização, bem difícil por ter componentes muito emotivas.
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