Revista - Como o senhor avalia o processo de internacionalização que algumas grandes empresas brasileiras têm desenvolvido nos últimos anos?
Santos - Empresas como Vale, Embraer e ALL, assim como Gerdau e Ambev (nas quais a PREVI tem participação acionária) são exemplos de internacionalização que se tem revelado muito eficaz. Não pode ser surpresa que a conjunção da globalização e de um país tão rico de recursos naturais faça surgir empresas brasileiras globais como a Vale ou a Petrobrás. No entanto, é mais notável e raro que a capacidade de internacionalização se manifeste em empresas como Ambev, Embraer e Gerdau. Nestas empresas, é mais a capacidade de gestão do que a economia que viabiliza o sucesso competitivo internacional. Não nos devemos deixar perturbar por momentos mais difíceis que essa ou aquela empresa possa atravessar. O que essas empresas já fizeram merece a nossa admiração.
Revista - O conceito de empresa metanacional é usado pelo senhor. O que vem a ser? O senhor pode exemplificar?
Santos - Embraer, Ambev e Gerdau são empresas em que a vantagem no mundo não resulta do seu país de origem, mas inclui atributos do país de origem e de outras origens. Portanto, o desempenho da empresa não pode mais ser explicado por nenhuma nação. Assim como aquilo que não pode ser explicado pela física é metafísica, aquilo que não pode ser explicado pela nação é metanacional. Parte daquilo que estudam na Gerdau, sua estratégia, sua organização, veio de fora do Brasil, em particular do Japão, mas também da Europa, dos Estados Unidos, e a empresa hoje é resultado de ter utilizado o mundo como origem de ativos intangíveis. Empresas metanacionais não podem mais ser compreendidas como resultado do seu país; elas resultam da capacidade de seus dirigentes, de terem sabido integrar ativos intangíveis, recursos e materiais de várias partes do mundo que, naturalmente, não se misturariam. Portanto, o dirigente empresarial teve que fazer qualquer coisa que não é natural, e é para isso que servem os dirigentes. Se as coisas acontecessem naturalmente não seria preciso dirigente algum. A grande maioria das empresas do mundo é nacional. O natural é que a empresa seja o resultado de uma interação local, porque acontece naturalmente e precisa apenas de um empresário, de alguém que faça com que certas combinações locais aconteçam. Mas as empresas metanacionais precisam de gestores. Muitos dos fatos que acontecem não são responsabilidade do empresário, são atribuições do dirigente empresarial, do gestor, que não é a mesma coisa.
Revista - Há uma “fórmula do sucesso” nesse processo? Ou cada caso é único e demanda nova aprendizagem?
Santos - Nem uma coisa, nem outra. Em gestão, não há fórmulas de sucesso. A não ser nas promessas ilusórias que, por vezes, se encontram por aí. Mas cada caso pode ser analisado à luz de teorias que conhecemos cada vez melhor.
Revista - Os fundos de pensão, como a PREVI, possuem assentos nos conselhos de administração de grandes empresas que se internacionalizam. Qual o papel a ser desempenhado pelos conselheiros nesse processo?
Santos - Em geral, a internacionalização é um fenômeno muito atraente. Traz crescimento e notoriedade. Mas também traz desafios a que a empresa não está habituada. E traz prejuízos, com certeza. Por isso, os administradores não executivos têm um papel muito importante no processo de decisão sobre a internacionalização da empresa, fazendo muitas perguntas aos executivos, sem se satisfazer com promessas. Também têm papel relevante na hora de dar apoio a esses executivos, naqueles momentos de maior dificuldade., ou seja, nos momentos em que a empresa se transforma. A transformação é sempre uma coisa difícil para uma entidade coletiva. Quanto maior for a empresa, mais difícil é. Por isso, há uma certa vantagem nas empresas internacionalizarem-se ainda quando são pequenas.
Revista - No Encontro de Conselheiros, o senhor disse que a globalização é unidade, o que é diferente de unicidade. O senhor pode explicar?
Santos - O resultado do processo de globalização é o mundo em que os países se tornaram interdependentes. Os jogos de Pequim têm este mote muito bonito: um mundo. O mundo global é a constatação de que há um mundo, só há um. Portanto, há uma unidade no mundo. Mas não somos todos chineses, nem somos todos americanos. Os chineses são chineses, os americanos são americanos e os brasileiros são brasileiros. E, mesmo no Brasil, baiano é baiano, gaúcho é gaúcho, carioca é carioca, ou seja, não há unicidade. A globalização não significa que somos todos o mesmo, que há um modelo único. Confundir globalização com unicidade é um erro enorme. O mundo global não é um mundo onde todos somos iguais. O mundo global é um mundo em que somos todos interdependentes, em que o ganho de um depende do ganho dos outros e, portanto, somos uma união. O Brasil já é uma união há muito tempo e, que eu saiba, os baianos continuam baianos e os gaúchos continuam gaúchos.
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