O superávit em pauta
De acordo com declarações do secretário de Previdência
Complementar, deve ser divulgada em
junho minuta de resolução sobre a destinação
dos superávits dos fundos de pensão. A normatização
da Secretaria de Previdência Complementar
(SPC) deverá conter parâmetros que podem
influenciar o debate na PREVI.
Afinal, como será utilizado o superávit? Esta é a pergunta
que está na mente dos associados desde a divulgação dos resultados de 2007. Há muitas hipóteses em
discussão e fatos novos, como a resolução da SPC e as
recentes oscilações no cenário econômico, que influenciarão
os debates.
Conforme entrevistas já concedidas pelo dirigente
da SPC, a minuta deverá tratar de questões como o
melhor enquadramento contábil dos superávits e sugerir
análises mais conservadoras antes da destinação
dos recursos.
O importante é que a discussão sobre o superávit
está na ordem do dia, embora se saiba que o caminho é
longo, dependendo de debate entre Banco do Brasil, participantes
e entidades representativas dos aposentados,
apreciação da Diretoria Executiva e Conselho Deliberativo,
além do trâmite no Ministério do Planejamento e órgãos fi scalizadores, como a SPC.
Para enriquecer as discussões, a Revista PREVI entrevistou
o atuário Colin Pugh, membro da Sociedade de
Atuários dos Estados Unidos, do Instituto Canadense
de Atuários e consultor em diversos projetos de previdência
complementar realizados em países de todos
os continentes, inclusive América do Sul. Colin foi um
dos palestrantes do seminário Estrutura da Previdência
na Europa, promovido pela Associação Brasileira das
Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(Abrapp) e realizado em Paris, no período de 20 a 28 de
maio deste ano.
Na entrevista, Colin traz para o debate um pouco das
experiências internacionais sobre utilização de superávits,
fala do sistema brasileiro e, em muitas questões,
destaca a palavra cautela como denominador comum
de suas idéias.
Revista PREVI – É comum a ocorrência de déficits ou
superávits nos fundos de pensão, como resultado das
variações naturais tanto nos valores dos ativos quanto
dos passivos?
Colin Pugh – Sempre haverá superávits e/ou déficits
em planos mistos e de benefício defi nido. Ainda que
todas as suposições feitas pelos atuários sejam realistas
e continuem sendo válidas por um longo tempo, sempre
haverá alguma volatilidade. É impossível que todas essas
previsões estejam absolutamente certas todos os anos.
Por exemplo, os retornos sobre investimentos em ativos
não são igualmente regulares em um percentual anual.
Haverá anos bons e anos ruins, com superávits e déficits.
A inevitabilidade das pequenas variações tem que ser
compreendida e aceita.
Se são superávits ou déficits recorrentes, então é preciso
reavaliar se as suposições dos atuários são válidas por
longo tempo. Cito duas situações-chave: retorno sobre
investimentos e longevidade dos aposentados, isto é, por
quanto tempo os funcionários receberão benefícios após a
aposentadoria. No primeiro exemplo, o excelente retorno
sobre investimentos no Brasil nos últimos anos significa
que os fundos de pensão: a) continuarão a obter retorno altíssimo por muitas décadas no futuro; ou b) recuarão e
ganharão o retorno previsto pelos atuários no longo prazo;
ou c) ganharão muito menos do que o previsto para o
longo prazo, após o estouro da bolha de investimentos?
Os cenários “a” e “c” demandam alterações nas previsões
atuariais, mas em direções opostas e com implicações
opostas. O grave erro cometido por vários países
no anos 1990 foi o de assumir o cenário “a”, quando a
realidade era “b” ou “c”.
Revista – De forma geral, essas situações são bem
reguladas pela legislação de países com maior tradição
em previdência complementar baseadas em regimes
de capitalização?
Pugh – A cobertura de défi cits é fortemente regulada
nesses países, mas ainda não é claro se são bem reguladas.
De uma perspectiva internacional, a mais importante
observação neste momento é que esses países estão se
movendo em direções completamente diferentes. Então,
claramente não há consenso internacional sobre
as melhores práticas recomendadas. Seria útil para o
Brasil rever os erros cometidos e as boas idéias geradas
nesses outros países, mas isso deve ser feito sem ilusões.
A regulação mínima perfeita para fundos de pensão não
existe, e cada país deve evoluir a seu modo.
Revista – Quais são, na sua opinião, as melhores práticas
ou a melhor regulamentação para tratar das situações
de superávit?
Pugh – Em termos gerais, as melhores práticas deveriam
começar pela prudência e talvez até mesmo um
pouco de ceticismo diante de um aparente excesso de recursos do plano. Simplificando, superávits obviamente
acontecem quando os ativos superam o passivo do plano,
mas é preciso olhar os cálculos de cada parte dessa equação.
Se os ativos do fundo são calculados a partir do valor
atual de mercado (a abordagem mais comum), este valor
está superestimado por alguma excitação temporária
do mercado? Este valor atual mede apropriadamente a
situação presente do fundo e sua estabilidade financeira
de longo prazo ou está exagerado? Mas se o superávit
foi gerado primariamente por alto retorno dos investimentos
em um momento passageiro de aquecimento
do mercado, a melhor prática seria apartar parte do
superávit em uma reserva de contingência.
O outro lado da equação, o cálculo das obrigações
do plano, é mais complicado. Exemplos clássicos de
premissas demasiado otimistas são: os investimentos
futuros continuarão a dar retorno nos mesmos índices
elevados; utilizar tábuas de mortalidade que subestimam
por quanto tempo os aposentados vão viver e receber
seus benefícios. Essas duas preocupações são relevantes
para o debate atual no Brasil.
A segunda questão diz respeito ao chamado tratamento
assimétrico dado a déficits e superávits em muitos países.
Há países e situações nas quais o patrocinador do plano é 100% responsável para arcar com os déficits do plano – por meio de contribuições adicionais do empregador – mas os superávits são considerados propriedade dos
participantes do plano (os empregados) e deveriam ser
gastos na melhoria dos benefícios. Apesar desse tipo de
postura parecer favorecer aos participantes do plano, isso
não é verdadeiro no longo prazo.
Revista – Sabemos que não é possível prever com
exatidão tudo que vai acontecer no futuro. Apesar das
projeções adotadas pelos fundos de pensão, há sempre
riscos imprevisíveis. Como os fundos devem tratar tais
incertezas? Tal realidade recomenda uma postura forte
de conservadorismo?
Pugh – Fundos de pensão devem ser administrados
prudentemente. Isso implica um grau de conservadorismo
na definição das premissas atuariais e no cálculo
das taxas de contribuição. Isso implica cautela no uso
dos superávits e uma firme condução das situações de
déficit. Entretanto, isso não implica um excesso de conservadorismo – apenas uma atitude prudente.
No caso de riscos imprevisíveis ou uma verdadeira
catástrofe (como por exemplo, a morte simultânea de
um grande número de empregados em um acidente,
gerando muitas pensões por morte no plano), os fundos
de pensão são conscientes de que devem contratar
resseguro em seguradoras. Entretanto, isso presume que
há um mercado de seguros competitivo no país ou que é permitido acessar o mercado internacional.
Revista – Em termos atuariais, quais devem ser as maiores
preocupações para se chegar a um cálculo bastante
seguro dos passivos dos fundos?
Pugh – As duas principais preocupações já foram
identificadas. A primeira é o uso de uma taxa de juros
(taxa de desconto) excessivamente otimista para calcular
as obrigações do fundo. Isso resultará em um passivo
subestimado e dará impressão equivocada sobre as reservas
do plano. A segunda é a longevidade – a presunção
que muitos fundos de pensão fazem de que os futuros
aposentados viverão o mesmo que os atuais aposentados
ou como a maioria da população. Essas são previsões
perigosas em países desenvolvidos e em economias em
rápido desenvolvimento, e para planos de aposentadoria
cujos membros estão entre os segmentos mais bem pagos
e mais saudáveis da população.
Revista – O senhor conhece um pouco sobre a situação
da previdência complementar no Brasil. Qual a sua
opinião sobre o sistema brasileiro?
Pugh – Estou impressionado com o sistema de previdência
complementar no Brasil. Ele é altamente desenvolvido
e tem uma longa e bem-sucedida história. O ambiente
regulatório evoluiu naturalmente desde 1997 e especialmente
com as Leis no 108 e no 109, de 2001, e as resoluções seguintes da CGPC (Conselho de Gestão da Previdência
Complementar). A clarifi cação da regulamentação em
alguns aspectos ainda é necessária, e eu espero que aconteça
sem o País cair na armadilha da regulamentação
excessiva. A gestão dos investimentos é de alta qualidade,
e continuará a evoluir e melhorar. Se a competência dos
atuários com os quais eu tive contato for representativa
de toda essa categoria profi ssional, então o Brasil está bem
servido também nessa área. Eu penso que um desafi o para
os atuários brasileiros, e para a regulação dos cálculos
e recomendações atuariais, é uma compreensão e uma
avaliação das práticas atuariais em outros países.
Revista – Recentemente, alguns fundos de pensão no
Brasil acumularam superávits, o que colocou o tema na
agenda de discussão dos órgãos reguladores, dos participantes
e das empresas patrocinadoras. Que sugestões
o senhor daria para este debate?
Pugh – As respostas simples, e talvez superfi ciais, para
essa pergunta são: seja cauteloso! E aprenda com todos
os terríveis erros cometidos por outros países durante a
década de 1990! A SPC permite que as obrigações possam
ser calculadas usando uma taxa máxima de juros
reais (taxa acima da inflação) de 6% ao ano. Entretanto, é realista calcular as obrigações a partir da premissa de que as taxas de retorno sobre investimentos continuarão
tão elevadas por décadas? Uma taxa de juros reais de 6%
ao ano é inconcebível nas chamadas economias desenvolvidas.
Ela será sustentável no Brasil quando o País,
brevemente, entrar para esse clube? A PREVI já começou
a utilizar uma taxa menor em seus cálculos e pode ter
que fazer mais ajustes no futuro. As outras premissas
usadas no cálculo das obrigações, mas especialmente as
premissas envolvendo a longevidade dos aposentados,
também têm que ser cuidadosamente examinadas.
Revista – Em suma, para o Brasil:
Pugh – Primeiro, tenham a certeza de que vocês estão
confortáveis com os cálculos que mostram grandes
superávits. Então, com a certeza de que esses superávits
realmente existem, pensem em constituir reservas de contingência
contra o risco de resultados negativos futuros.
Utilizem o superávit remanescente com sabedoria, de um
modo prudente e construtivo. Melhorem a compreensão
dessas questões-chave. Considerem todas as opções, e debatam
suas vantagens e potenciais desvantagens, antes de
chegar às decisões finais. Boa sorte! A maioria dos países já
não pode mais dar-se ao luxo de sequer discutir reservas
excedentes. Tentem fazer um trabalho melhor do que eles
fizeram quando tiveram superávits no passado!
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