vida boa
As muitas faces de um artista
As surpresas do cinema na minha vida só me trazem alegria. Trabalhar em um longa como O Som ao Redor e ver seu brilhantismo reconhecido me enchem de orgulho
Nasci em Sorocaba, no interior de São Paulo, em 1941, onde vivi e fui criado, até ‘renascer’ em Pombal, no alto sertão paraibano, em 1963, quando tomei posse no Banco do Brasil aos 21 anos. Sinto muito orgulho do pioneirismo que vivíamos – abrindo, naquela época, a primeira agência bancária do município –, fizemos a diferença na economia daquela região. Trabalhei durante 28 anos no BB e me aposentei na agência de João Pessoa, em 1990. Eu vinha de uma família pobre – meu pai era carpinteiro da Estrada de Ferro Sorocabana – para uma agência do BB. O salto para a classe média foi significativo. Saí de um meio culturalmente frio, para outro bastante aquecido, o que foi surpreendente e me inspirou a enveredar por tantas atividades artísticas. Casado com Ione, sou pai de Dmitri e Andréia, avô de Érik e Israel.
Minha vida realmente mudou quando fui morar em Pombal. Por influência da própria cidade, no tempo livre que tinha, fora do expediente, passei a escrever, a pintar, a fazer teatro e cinema. Comecei, enfim, a me dedicar às artes. Posso dizer que meu período áureo de formação e realização aconteceu naquelas terras maravilhosas do alto sertão paraibano. Ao longo do tempo, me encantei descobrindo a quantidade de pessoas cultas que há naquelas terras. Foram longas conversas em rodas de calçada e que me levaram a ler muito, a conhecer diversos autores regionais, nacionais e internacionais. Lá, li de Homero a Jorge Amado, de Shakespeare a Ariano Suassuna, de Tólstoi a José Lins do Rego, passando ainda por Fernando Pessoa, Ezra Pound, T.S. Eliot e Augusto dos Anjos. Uma variedade cultural sem fim.
Desenhava desde menino, estudei pintura na juventude, fiz muita coisa enquanto trabalhava no BB e, mais ainda, lógico, depois que me aposentei e passei a ter todo o tempo do mundo para ler, escrever e fazer o que bem entendesse. Sou apaixonado pela arte em todas as suas formas.
Mas nunca confundi as coisas. Quando trabalhava no Banco, me dedicava às minhas funções e jamais deixei de merecer o salário que o BB me pagava. Evidentemente, isso me custou sacrifícios: houve época, em Pombal, em que, desesperado pelo universo de textos que precisava ler, dormia de meia-noite às três da manhã. Nos meus dez últimos anos de bancário, já em João Pessoa, deixava de almoçar para ter mais duas horas livres para meus livros e os livros alheios. Quando me aposentei, foi como se a vida enfim compreendesse meu esforço. E como compreendeu: estou quase me aposentando da aposentadoria!
Uma vida de letras e imagens
Em Pombal escrevi, dirigi e trabalhei em teatro. Eu e outro colega, José Bezerra Filho, fundamos uma empresa de cinema e produzimos o primeiro longa de ficção em 35 mm da Paraíba: Salário da Morte, dirigido por Linduarte Noronha, no qual fiz o papel de um pistoleiro. Quando passei a viver em João Pessoa, escrevi meu primeiro romance: Israel Rêmora, que ganhou o prêmio Fernando Chinaglia em 1974, no Rio de Janeiro, e foi editado pela Record no ano seguinte. Aí vieram minha História Universal da Angústia e outros romances, como A Batalha de Oliveiros, A Verdadeira Estória de Jesus, Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia, Shake-up, A Canga, Arkáditch e Relato de Prócula; meus poemas longos Trigal com Corvos e Marco do Mundo; e, com eles, vários prêmios nacionais. Ao mesmo tempo, escrevi e montei minhas peças A Batalha de OL contra o Gigante FERR e A Verdadeira Estória de Jesus. Pintei o painel A Ceia, do acervo do Sindicato dos Bancários da Paraíba, e o mural Homenagem a Shakespeare, em exposição permanente no auditório da reitoria da UFPB. Além disso, trabalhei nos filmes Fogo Morto, Soledade, A Canga e Lua Cambará.
Havia me decidido a não mais participar de produções cinematográficas quando, na estreia da ópera Dulcineia e Trancoso – música de Eli-Eri Moura, libreto meu – em Recife, o cineasta Daniel Aragão, que estava formando o elenco para o filme O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho, me convidou para um teste. Ao ler o roteiro e perceber que se tratava de uma obra-prima, vivi um período especial, com a sensação de que a sorte me dera, no final da vida, a oportunidade de trabalhar com alguém do nível de um Bergman, um Ettore Scolla. Na última semana da produção de O Som ao Redor, fui convidado para outro teste, desta vez para o terceiro longa de Marcelo Gomes: Era uma vez eu, Verônica, em que fiz o pai da protagonista, vivida pela tremenda atriz que é a Hermila Guedes. O papel me rendeu o prêmio de melhor ator coadjuvante no último festival de cinema de Brasília.
Enfim, as surpresas do cinema na minha vida só me trazem alegria. Trabalhar em um longa como O Som ao Redor e ver seu brilhantismo reconhecido não me surpreende e só me enche de orgulho saber que ele já recebeu prêmios em festivais tão importantes quanto os de Roterdã, Copenhague, Polônia, Sérvia, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Gramado, e esteve entre os dez melhores filmes do mundo de 2012, segundo o jornal The New York Times.
Muita gente diz que sou um homem de vários talentos: ator, pintor, dramaturgo, escritor... É difícil ser tudo ao mesmo tempo e fazer tudo isso bem. Por conta disso, deixei o teatro em 1990 e a pintura em 2004. A literatura, há 30 e tantos anos, é minha atividade principal. A verdade é que tenho feito todas essas outras atividades para ter como escrever meus livros com conhecimento de causa, porque eles, sim, são essenciais para mim. Jamais senti em mim o borbulhar do gênio, mas faço o que posso, com muito prazer.
WJ Solha (Waldemar José Solha), aposentado do BB,
escritor, ator, pintor e dramaturgo
Contato: wjsolha@superig.com.br