bem-estar
De tudo o que amamos, cuidamos
É necessário que comecemos a pensar no longo prazo, para garantir a continuidade da vida na Terra
Ser realmente sustentável requer uma mudança no padrão mental. Esta mudança de paradigma que se faz necessária foi tema da palestra proferida pelo teólogo e professor de Ética e Filosofia da Religião e Ecologia na UERJ Leonardo Boff, no Dia Mundial do Meio Ambiente, para funcionários da PREVI, complementada em entrevista concedida por e-mail à equipe da Revista.
Com uma visão muito própria, o teólogo é contundente ao afirmar que a educação e a sustentabilidade são essenciais para a sobrevivência da espécie humana no planeta e alerta que, se a sociedade não conseguir entender a necessidade de respeitar e preservar o meio ambiente, não haverá qualidade de vida no futuro. Ele também lembra que a sustentabilidade e a responsabilidade coletiva deverão ser as pilastras de uma nova sociedade e um projeto planetário que valha a pena. Em sua opinião, as soluções para os problemas atuais, como o aquecimento global, passam obrigatoriamente por uma mudança de valores. “Temos de desenvolver uma atitude de cuidado diária, porque, se não cuidamos, tudo vai se desarranjando, se perdendo e acelerando a degradação da qualidade de vida. De tudo o que amamos, cuidamos; e tudo de que cuidamos, amamos”, diz. A seguir, principais impressões de Boff.
Mais do que desenvolvimento simples e duro
Enfocar a sustentabilidade significa criar mecanismos e iniciativas que garantam a vitalidade da Terra, a continuidade da vida, o atendimento das necessidades humanas das presentes e futuras gerações, e a garantia de que podemos preservar nossa civilização. Essa compreensão de sustentabilidade é mais vasta do que a do desenvolvimento simples e duro.
Para alcançar tal propósito, é preciso ter um novo olhar sobre a Terra, um reencantamento do mundo e um novo sonho. Isto significa inaugurar outro paradigma: se antes era de conquista e de expansão, agora, devido aos altos riscos que corremos, deverá ser de cuidado e de responsabilidade global. Precisamos incorporar a visão da Carta da Terra, que propõe essas atitudes no quadro de uma visão holística do universo e da Terra. Ela vê o nosso planeta vivo, como uma comunidade de vida única. É fruto de um vasto processo de evolução que já dura bilhões de anos. O ser humano comparece como expressão avançada de sua complexidade e interiorização. E tem a missão de cuidar e de preservar a sustentabilidade da natureza e de seus seres.
Situação insustentável
Precisamos entender a sustentabilidade como um substantivo e não como um adjetivo. Como adjetivo, podemos colá-lo em qualquer produto sem que isso em nada modifique seu modo de produção. É puro marketing. Como substantivo, a sustentabilidade representa um novo paradigma. Na verdade, para que o planeta Terra, a natureza, a sociedade, uma empresa ou mesmo a vida de cada pessoa seja sustentável, é preciso elaborar outro tipo de relação para com estas realidades todas. Sustentabilidade é tudo o que ajuda a natureza ou a sociedade a se manter, se reproduzir e se enriquecer. Neste sentido, quase tudo o que fazemos hoje é insustentável. Primeiro, com relação à Terra, exaurida em seus bens e serviços, pois precisa de um ano e meio para repor o que tiramos dela durante um ano. Depois, a própria natureza, porque está sendo explorada em todos os seus ecossistemas, perdendo biodiversidade, fertilidade e capacidade de reprodução. Também as sociedades são insustentáveis, porque não são inclusivas, revelando um enorme fosso entre ricos e pobres, gerando má qualidade de vida.
Precisamos de uma nova relação, que não use e explore simplesmente as coisas, mas reconheça seu valor intrínseco, respeite seus limites e seu alcance. Se não conseguirmos esse equilíbrio entre intervenção humana e capacidade de absorção e recuperação da natureza ou da Terra, não garantiremos a sustentabilidade.
Todos têm direito
A sustentabilidade entra em tudo, e os padrões mentais estão intrinsecamente ligados a essa visão. No fundo, ela responde a diversas perguntas, como: o que devo fazer para que essa floresta fique de pé, que essas águas continuem a correr e se manter limpas, que nossas cidades sejam habitáveis com trânsito que flui, com menos violência, com esgotos tratados, com praças arborizadas, com escolas de qualidade e com relações sociais de paz, de cooperação, tendo em vista o bem de todos? Realizar tudo isso é construir a sustentabilidade.
Para ser bem concreto, sustentabilidade significa questionarmos: como posso, com o salário que ganho ou que toda a família ganha, chegar ao final do mês com as contas pagas, o aluguel em dia, o dinheiro para o transporte e alimentação de qualidade, entre outras coisas? Muitos não conseguem isso e, assim, suas vidas não têm sustentabilidade.
Há um bilhão e meio de pessoas que vivem na fome, na sede e na miséria. Quer dizer, são irmãos e irmãs nossos que não gozam de sustentabilidade alguma e morrem antes do tempo. E todos têm direito a ela, porque todos são filhos e filhas da Mãe Terra e merecem participar dos bens que ela sempre nos oferece. Ocorre que pertencemos a uma cultura egoísta, sem compaixão, que prefere pensar no eu mais do que no nós; que busca em primeiro lugar o seu bem-estar em vez de buscar, juntamente com ele, o bem-estar de todos.
A sustentabilidade, junto com o cuidado e a responsabilidade coletivos, serão, possivelmente, as pilastras de uma nova sociedade e um projeto planetário que valha a pena.