Edição 192 Janeiro/2017

vida boa

Um artista que viveu a história

Ronaldo Pereira Rego conta como descobriu a arte e a conciliou com o trabalho no BB

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Nasci em 1935, no sobrado de minha avó, localizado na Rua de Santana, na Praça Onze, Rio de Janeiro. Ou seja, sou carioca da gema. Parte de minha infância foi vivida em Jacarepaguá, numa casa antiga, cercada de chácaras produtoras de hortaliças, que abasteciam a cidade. Naquela época, não existia rede elétrica e, à noite, acendíamos lampiões a querosene. A comida era elaborada em cima do carvão. Mas isso mudou rapidamente durante a 2ª Guerra Mundial, que começou em 1939. Podíamos acompanhar pelo rádio o desenrolar dos acontecimentos. Vi passar por nossa casa o zepelim, que atracava ali perto, no campo de Santa Cruz. Havia uma ordem de blecaute durante certo tempo. Na esquina, havia um monte de metais, gradis, bicicletas velhas e, em cima, a figura de Hitler. Era o esforço de guerra, pois a sucata era essencial para os fornos dos EUA.

Quando a guerra terminou, em maio de 1945, lembro de meu pai pulando de alegria como uma criança. Tive uma infância agitada, pois éramos seis filhos e meu pai lutava para manter todos em escolas particulares. Já na adolescência, fui internado em um colégio de frades franciscanos, em São João del-Rei, lugar que me marcou profundamente por estar cercado de belas construções de arte barroca que nunca imaginei existirem. Acho que ali decidi ser um artista e fui incentivado pelos frades.

De volta ao Rio, quatro anos depois, fui morar com uma tia em Copacabana. Um adolescente caipira, tímido e encantado com o cheiro do mar. Não queria sair da praia, noite e dia. Mas precisava me sustentar, pois a situação pós-guerra estava difícil. Consegui um emprego como securitário na maior seguradora do país e lá fiquei por dois anos. Meu pai queria que eu seguisse a carreira de medicina, tradicional na família. Mas eu queria ser diplomata, graças aos idiomas que aprendi com os franciscanos.

Um bancário artista

Acabei ingressando no Banco do Brasil em 1954, aos 19 anos, por meio de concurso. Trabalhei em algumas agências e, após 15 anos, fui atuar no Gabinete do Departamento de Câmbio, onde me aposentei em 1984, após cumprir 30 anos de trabalho. Nos últimos anos de Banco, era responsável pela redação de correspondência em idiomas estrangeiros para outras entidades financeiras.

Desde que entrei na carreira de bancário, atuava como escritor. Publiquei o conto Amor de Violeta no mais importante jornal matutino do Rio, o Correio da Manhã. Também estudei gravura com importantes professores-artistas estrangeiros, como Gèza Heller e Henri Goetz, e li muito sobre o assunto. Por volta de 1966, me matriculei no Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara (atual Escola de Artes Visuais do Parque Laje) para fazer aulas de pintura a óleo com o renomado Oswaldo Teixeira. Em 1979, fui estudar gravura com o professor Cognac, no Liceu de Artes e Ofícios. A partir daí, me vi ‘jogado’ no meio do boom de arte, que aconteceu durante o governo militar. Passei por aqueles tempos tumultuados fazendo exposições no Rio e pelo Brasil.

Como foi possível manter duas carreiras tão díspares? Ao contrário dos outros colegas, costumava ficar sábados e domingos trancado em meu atelier trabalhando, pintando ou gravando. Nos quinquênios, recebíamos três meses de licença, que eu transformava em muito trabalho e em exposições. Para o preparo de algumas exposições, costumava trabalhar até as duas da madrugada. Em 1974, transferi meu atelier para Jacarepaguá para ficar bem perto da casa de meu pai. Foi onde nasceu, em 1981, a Ars Umbandorum, que teve repercussão até no exterior com gravuras chamadas Pontos Riscados, hoje esgotadas.

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Obras que orgulham

Naquele atelier surgiram ainda as primeiras construções em ferro forjado, algumas expostas em Paris, em 1989, a convite do Museu de Arte Moderna. No mesmo ano exibi minhas gravuras na Galerie Debret. Fui o único brasileiro a ter duas exposições simultâneas naquela cidade. A partir de 1989, começaram a chegar convites da Europa e dos Estados Unidos. Tenho orgulho de ter exposto nos mais renomados museus, entre eles o Museu de Arte Moderna do Rio e o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio; o Museu de Estocolmo, na Suécia; e o Museu de Frankfurt, na Alemanha.

Em 2009, mudei meu atelier para Petrópolis e retomei a literatura. Publiquei em 2010 o ensaio Memoriais da Lapa. No ano seguinte, lancei o livro de contos A Morta de Tel Aviv e a peça teatral A Ceia. Já em 2015, divulguei o livro de Arte e Crítica Fragmentos e, no primeiro trimestre deste ano, pretendo lançar Carnet de Voyage. Infelizmente, com a idade, perdi a força física necessária para fazer esculturas. Mas desenvolvi a capacidade de editar livros de arte, o que faço agora para me manter mentalmente ágil e saudável. Também fui eleito para integrar a Academia Brasileira de Belas Artes (ABBA), o Instituto Histórico de Petrópolis (IHP) e a Academia Teresopolitana de Letras (ATL).

Gratidão por todas as conquistas

Não me casei, mas adotei três crianças, duas meninas e um rapaz. Hoje, já tenho netos e um bisneto e somos todos muito felizes. Vivo no meu último refúgio neste mundo, num casarão centenário, tombado pelo patrimônio histórico, que restaurei com dificuldade, e é um dos orgulhos de Petrópolis, sede da Sacra Oficina, como se denomina meu atelier. Por questões de saúde, já não tenho a vida social de antigamente e economizo minhas horas para trabalhar naquilo que gosto.

Tenho convicção de que, sem o suporte do Banco e da PREVI, teria sido muito difícil realizar tantos sonhos. Dediquei-me àquela casa com carinho e respeito e fiz muitos amigos.

Ronaldo Pereira Rego, aposentado do BB - regosacraoficina@oi.com.br

Artista mostra suas esculturas em ferro forjado
O casarão centenário que abriga o ateliê de Ronaldo

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