Edição 180 Setembro/2014

Educação Financeira

Crianças, precisamos falar de dinheiro

Como ensinar os filhos a lidar com finanças e qual a hora certa para começar a discutir o assunto

Qual o melhor momento para começar a dar mesada para os filhos? Como ensiná-los a lidar com dinheiro de forma responsável? Como incentivar a cultura de poupança e o consumo responsável? Qual a melhor hora e maneira de falar sobre dinheiro com uma criança? Em um mundo cada vez mais competitivo, tais dúvidas povoam a cabeça de pais, avós, responsáveis e professores.

Para a economista Selma Vasquez, coordenadora educacional do portal Edufin, a criança é um terreno fértil para o aprendizado e por isso mesmo o processo é mais eficaz quando começa cedo. “É algo que ela vai levar para vida toda”, diz. “Ao aprender desde cedo a ter uma relação saudável e consciente com o dinheiro, o jovem pode planejar seus objetivos de curto, médio e longo prazo do desenvolvimento da carreira profissional à formação de uma poupança para a aposentadoria.”

A especialista em educação financeira Cássia D’Aquino acrescenta: “As novas gerações vão viver por mais tempo, em um mercado de trabalho mais instável, e vão precisar de recursos para se sustentar no futuro. Por isso precisam se preparar para administrar bem o dinheiro por toda a vida”.

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Sendo assim, o ideal é colocar mãos à obra e começar a agir o mais cedo possível. “O modo como a gente lida com nossos problemas quando somos adultos foi formado por volta dos 5 anos de idade”, afirma Cássia. “O que a gente viu ou deixou de ver, fez ou não fez, disse ou deixou de dizer. Tudo isso dita normas para nossas vidas.”

Não é diferente com o dinheiro. “Quando a criança aprende a falar e pela primeira vez pede alguma coisa aos pais, já é hora de começar”, diz Cássia. “Nessa idade, a criança observa que o dinheiro existe, os pais têm e ele dá acesso a coisas divertidas, coloridas e gostosas.”

Não se trata, no entanto, de ensinar crianças a fazer orçamentos complexos. Cada conteúdo deve ser adequado à faixa de idade. “Um processo contínuo de educação financeira vai fazer a criança enxergar o dinheiro de outra maneira e criar bases para escolhas mais conscientes em relação a consumo e poupança na vida adulta.”

O problema é que a maioria dos pais só se lembra de falar sobre isso com as crianças quando o dinheiro falta. “Aí falam nervosos, discutem e acham que estão educando, mas é só um desabafo sem continuidade.” Outros entram em agonia e querem ensinar tudo aos 6, 7 anos. “E aí é um desastre. A educação financeira não se dá em uma aula, ela é um processo longo que dura a vida toda.”

Apesar disso, não se deve desanimar. Cássia também observa que esse processo não depende de nenhum conhecimento avançado de matemática ou de planilhas complicadas. “Se fosse assim, contador e professor de matemática não iriam à falência”, diz. Segundo a economista, isso é libertador para quem não lidava bem com os números. “Todo mundo pode aprender a se organizar financeiramente.”

Selma Vasquez, por sua vez, observa que os exemplos têm mais força que as palavras. “Não adianta só falar, é preciso colocar a educação financeira em nossas atitudes.” Para isso, é preciso aproveitar as oportunidades do dia a dia, como a hora das refeições. “Evitando o desperdício de alimentos, mostrando que pegar mais comida do que se vai comer pode fazer falta mais tarde.”

Segundo Selma, os princípios de educação financeira, aplicados pouco a pouco e de forma contínua por meio dessas atitudes, dão às crianças e jovens um sentido de ordem e responsabilidade. “Elas passam a entender que o que é gasto precisa ser reposto, que não se pode deixar estragar o que se tem”, diz. “E que se você tiver de comprar outra coisa para substituir a que quebrou, vai faltar dinheiro para fazer um passeio, uma viagem.”

Essa compreensão, naturalmente, não vem da noite para o dia. Ela precisa ser construída continuamente. “Até os 5 ou 6 anos de idade, o pensamento das crianças é imediatista, só percebe as coisas no curtíssimo prazo”, observa Selma. “Por isso é preciso lidar com exemplos mais próximos, dar a elas pequenas responsabilidades, participar das escolhas da casa”.

Ou mesmo dar pequenas quantias de dinheiro para que elas decidam o seu uso. “Nesse caso, damos liberdade para que ela escolha se vai comprar uma revistinha, uma bala, guardar no cofrinho, o que seja”, diz Selma. Isso deve acontecer quando a criança começa a aprender a fazer as primeiras contas, para familiarizá-la com o dinheiro e as escolhas envolvidas no seu uso.

À medida que a idade avança, é possível lidar com prazos um pouco mais extensos. “Aos sete ou oito anos, a criança já tem uma rotina escolar em que separa mais claramente os dias da semana”, diz Selma. Nesse momento, pode ser adequado introduzir uma semanada. A especialista recomenda conversar com a criança, estabelecer o que ela gosta e acha necessário, para dividir os gastos por semana e estabelecer o valor.

Aos 9 e aos 10 anos, pode-se dar uma quantia maior quinzenalmente. “Nessa idade, as crianças estão mais maduras e mais cientes em relação ao tempo e ao valor do dinheiro”, diz Selma. O aprendizado permite que elas entendam as consequências de suas escolhas. “As crianças já poderão entender que se gastarem tudo ficarão sem dinheiro, e que se pouparem terão mais dinheiro na quinzena seguinte. Ou seja, terão aprendido a lidar com a tomada de decisão financeira.”

Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, faz uma observação importante sobre o valor das mesadas. “O jovem pode aprender a fazer o dinheiro durar até o fim, mas isso não basta.” Antes de determinar os valores, é preciso observar os gastos da criança em um determinado período. “Então, você dá metade desse valor”, diz. “Quando ela estiver acostumada com esse valor, converse sobre os sonhos dela. O que ela deseja. Uma bola? Um videogame? Só aí você dá os outros 50%, explicando que essa metade é para que ela consiga esse outro objetivo. Desse modo, ela saberá usar o dinheiro não apenas para o consumo consciente, mas também para um projeto de vida.”

Cássia D’Aquino, por sua vez, observa que é muito importante que cada etapa do processo seja adequada à maturidade da criança, que só atinge a plena capacidade de abstração a partir dos 11 anos. Por esse motivo, a economista recomenda que a semanada seja mantida até essa idade.

Embora a educação financeira seja também um assunto para as escolas (ver boxe), os especialistas são unânimes em apontar a importância do envolvimento familiar no processo. “Os pais têm de entrar no jogo, não adianta apenas ter um programa desses na escola sem que a família faça parte”, diz Reinaldo. Cássia acrescenta que o aprendizado tem mão dupla. “Os pais também aprendem com os filhos nesse sentido”, afirma. E mesmo quem nunca teve acesso à educação financeira pode se envolver. “Quem não aprendeu quando jovem não está condenado a repetir seus erros. Muitas vezes o pai não sabe lidar com o dinheiro, mas quer romper o ciclo e ser uma pessoa melhor para os filhos.”

Nas escolas

O Brasil estabeleceu em 2010 uma Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). Com isso, a educação financeira para crianças e jovens se tornou uma política de estado no país. O objetivo é levar o tema para as escolas, introduzindo a educação financeira como um assunto a ser abordado em todas as disciplinas: da matemática à história.

“Isso é muito importante”, diz Selma Vasquez, coordenadora educacional do portal Edufin. “Afinal, a educação financeira não se resume ao consumo consciente. Ela também envolve noções de empreendedorismo e sustentabilidade.”

Reinaldo Domingos, da DSOP Educação Financeira, destaca a importância do papel das escolas no preparo das crianças em relação ao dinheiro. A consultoria é responsável pela implantação de programas em mais de mil colégios no país. “De modo geral, falta uma cultura de planejamento de vida nas famílias brasileiras com objetivos de curto, médio e longo prazos. Professores bem capacitados nas escolas podem ajudar a quebrar esse paradigma.”

Educação financeira para a gurizada

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