vida boa
Um horizonte além das montanhas
Aposentado Arlindo Zuchello é praticante de trekking
Desde pequeno, olhar para o horizonte e imaginar o que havia sobre as montanhas e além delas fazia a minha imaginação viajar. Conforme fui crescendo e as oportunidades acontecendo, comecei a colocar em prática meu desejo de caminhar pelo Brasil e pelo mundo, explorando suas belezas, e chegando, a pé, aos pontos mais altos que podia. Assim, depois de décadas de experiência, hoje, aos 72 anos, continuo buscando novas montanhas para subir, novos destinos para explorar e ampliar meu entusiasmo e minha surpresa diante das belezas que a natureza nos oferece.
Meu interesse pelo montanhismo foi despertado, ainda em sala de aula, em um colégio religioso onde estudei dos nove aos 17 anos em Marcelino Ramos (RS), cidade próxima a Concórdia (SC), no Oeste de Santa Catarina, onde nasci. Lá, os padres que eram nossos professores nos ensinaram a observar a natureza ao nosso redor. Chegavam, em algumas ocasiões, a nos mostrar as belezas além do nosso horizonte, por meio de fotos de viagens e expedições em que apareciam subindo bordas nevadas dos Alpes Franceses, na época de suas formações religiosas na Europa.
Todo aquele estímulo me fez desejar realmente explorar o grande mundo em que vivemos. No entanto, enquanto estava ‘impedido’ pelas paredes de dura disciplina do colégio interno, me restava atravessar os muros e viajar por meio das letras e dos livros, abundantes na nossa grande e bem-servida biblioteca do seminário. Mas o mundo foi generoso comigo e me permitiu, além de ter uma vida pessoal e profissional de boas realizações e boas recordações, colocar em prática o meu sonho de conhecer muitas montanhas por aí.
Aposentado desde 1995, minhas aventuras pelos grandes picos do Brasil e do mundo tiveram início ainda na minha vida de funcionário do Banco do Brasil, onde comecei a trabalhar, em 19 de fevereiro de 1971, na agência Concórdia, da minha cidade natal.
A primeira de muitas aventuras
Se me lembro bem, minha primeira ‘expedição’ aconteceu em 1977, quando trabalhava na agência Vitória (ES). Por conta da relativa proximidade com o Parque Nacional do Caparaó, na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, eu e mais dez colegas fizemos uma excursão para o Pico da Bandeira, o terceiro maior do Brasil, com 2.892 metros.
A primeira aventura ficou para sempre na memória por servir de experiência para todas as outras. A nossa empolgação para chegar ao topo era tão grande que nos esquecemos das intempéries da região, o que dificultou muito a conclusão desse primeiro desafio.
Do grupo, apenas quatro de nós conseguimos vencer o frio e subir. Assim, o Pico da Bandeira foi a primeira de muitas montanhas conquistadas em mais de 40 anos. A partir dali meu horizonte se ampliou, porque cada topo de montanha conquistado é uma realização que vai para a conta da vida bem-vivida que eu tenho.
Depois da primeira subida, passei a buscar desafios esportivos cada vez maiores. O céu tornou-se o limite. E olha que eu chego bem pertinho dele no alto da montanha. Durante os anos de trabalho, consegui fazer algumas expedições, mas depois da aposentadoria eu realmente ampliei minhas aventuras. Enquanto trabalhei na agência Boa Vista, em Roraima, subi duas vezes, em 1978 e 1979, o Monte Roraima, que fica na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana e conta com 2.734 metros de altitude.
Livre dos compromissos do emprego, depois que me aposentei – em 2 de maio de 1995, após 24 anos de trabalho e prestes a completar 48 de vida – consegui despertar no meu cunhado Édio Furlanetto a vontade de também explorar as montanhas e, desde então, ganhei um companheiro de aventuras e projetos. O primeiro destino da nossa parceria foi o Monte Roraima, em 1997, e, desde então, passamos a compartilhar um projeto que foi acontecendo naturalmente e nos levou ao cume das 13 montanhas mais altas do Brasil até 2004. As recordações são infinitas e nos levam a sempre querer mais.
Trekking em terras estrangeiras
Arlindo no alto do Monte Elbrus com a bandeira de sua cidade natal, Concórdia (SC)
Em julho de 2000, Édio e eu fomos a La Paz na intenção de subir uma montanha acima de 6.000 metros – a Bolívia é conhecida por seus altos cumes que variam de 3.000 a 6.600 metros acima do nível do mar – mas, na preparação para a subida fomos assaltados e tivemos que desistir. Mas só daquela vez. Em julho de 2008, retornamos ao país e, com sucesso, chegamos ao topo do Pico Huayna Potosi, a 6.088 metros de altura, na Cordilheira dos Andes.
Em março de 2009, resolvi explorar novos continentes. Aos 62 anos, decidi fazer trekking em um destino empolgante e desafiador: o Campo Base da maior montanha do mundo, o Everest. Além das maravilhas e belezas do trajeto, foi uma realização pessoal chegar ao meu destino cheio de vigor e preparado para a próxima meta.
Em agosto de 2010, consegui subir ao cume do Pico Elbrus, na Rússia, com 5.642 metros, a mais alta montanha da Europa Ocidental e Oriental. Um ano e três meses depois, em novembro de 2011 estive no alto do Kilimanjaro, pelo lado da Tanzânia. Esse é o pico mais alto da África, um desafio de 5.895 metros que entrou na minha galeria de orgulhosos destinos conquistados.
Vale voltar no tempo e lembrar a primeira aventura na Europa, em setembro de 2009, quando percorri o caminho francês para chegar a Santiago de Compostela, seguindo até o Oceano Atlântico, nas cidades de Finisterre e Muxia. Em 2012, refiz o trajeto com minha esposa Joselita Maria Coimbra Zuchello, também aposentada do BB. E em 2018, ampliamos a viagem e emendamos o caminho francês com o português. Só que desta vez no sentido inverso. Que maravilha foi fazer esse trajeto que nos inspira a pensar na vida tão bem acompanhado! Porque as memórias são incríveis e, quando partilhadas com quem a gente ama, tornam-se infinitas.
Um novo desafio ocorreu em março de 2013, quando participei da primeira excursão civil com sucesso ao marco Extremo Norte do Brasil, junto ao Monte Caburaí, em Roraima. A iniciativa serviu para divulgação de que o Brasil vai dos extremos Caburaí ao Chuí, no Rio Grande do Sul. Em fevereiro do ano seguinte, a poucos meses de completar 67 anos, Édio e eu nos unimos à equipe do escalador Máximo Kausch para subir o Cerro Vicuñas (6.066m), na região Puno de Atacama. Mais uma conquista na América do Sul, e um marco para o meu calendário de conquistas pessoais. Hoje, percebo que cada novo destino me faz compreender que as fronteiras existem não para nos separar geograficamente, mas sim para nos mostrar que nossos limites existem para serem testados e transpostos. Afinal, não é qualquer um que, com mais de seis décadas de vida, se dispõe a andar quilômetros e subir uma montanha dessa magnitude. E é claro que ter conseguido vencer tantos desafios me enche de orgulho.
A última aventura
O destino escolhido foi o Paquistão, uma viagem que começou no dia 5 de junho. Um belo presente de aniversário para comemorar meus 72 anos e o fim das minhas investidas pelas montanhas do mundo. O desafio foi fazer trekking contornando parte da cordilheira do Karakorum, com acesso ao Campo Base do K2, a segunda montanha mais alta do mundo, logo abaixo do Everest. Foram 20 dias de caminhadas intensas num lugar desértico, com trilhas inóspitas, baixas temperaturas e terreno montanhoso. Tudo muito diferente do que estamos acostumados a trilhar no nosso dia a dia.
Depois de tantas aventuras, tenho uma certeza: estou com as baterias recarregadas e ânimo renovado para seguir aproveitando a minha aposentadoria. Talvez de forma mais tranquila, com aventuras que exijam menos esforço físico e preparação, mas que me mantenham tão ocupado e feliz quanto o trekking de montanha.
A preparação foi ao longo da vida
O aposentado no topo do Monte Kilimanjaro
Muita gente me pergunta como me preparo para essas longas e intensas caminhadas. Eu sempre falo que minha vivência no Banco me ajudou muito. Como trabalhei por oito anos como fiscal da CREAI do BB, vistoriar lavouras demandava ir a campo numa região de topografia acidentada. Além disso, minha esposa e eu temos o hábito do trekking extensivo ao menos uma vez por semana pelos arredores de Concórdia, onde residimos até hoje. Então, acredito que estas práticas me trouxeram condições físicas de praticar trekking de alta montanha.
Ah, mas vale lembrar que, salvo as idas aos cumes do Brasil, a subida ao Huayna Potosi e ao Kilimanjaro e as peregrinações a Compostela, todas as outras empreitadas em montanhas pelo mundo foram feitas com auxílio profissional, por meio da aquisição de pacotes promovidos pelos escaladores e guias de trekking Manoel Morgado ou Máximo Kausch.
Histórias que viraram livros
Para mim a aposentadoria definitivamente não é tempo de ficar parado. Com essa certeza, em julho de 2000, cinco anos após me aposentar, resolvi voltar a estudar e cursar Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade do Contestado, Campus de Concórdia.
Na conclusão do curso, uni o útil ao agradável e fiz da obrigação de apresentar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) um prazer, escrevendo sobre montanhismo, tema que domino na teoria e na prática, além de já dispor de fotos, vídeos e muitas experiências de campo.
Nessa monografia, procurei demonstrar que o montanhismo é um esporte diferenciado, cuja atividade, entre outras atipicidades, pode ser praticada mesmo quando as melhores condições físicas estejam reduzidas pela idade. O trabalho incluiu um relato do projeto ‘13 Cumes’ realizado em parceria com o meu cunhado Édio Furlanetto.
E a escolha do tema foi acertada. Tanto que uma das examinadoras da banca sugeriu melhorar o texto e lançar um livro. Aceitei a sugestão e, em agosto de 2006, lancei Montanhismo – 13 cumes do Brasil. Seguindo minha paixão pelos livros que me acompanha desde a infância, aliada aos conhecimentos e práticas do montanhismo, continuei no caminho das letras: em abril de 2016 lancei outra publicação com o tema. Em Viagens e Montanhas, conto a história de uma viagem de monomotor pelo Centro-Oeste e Norte do Brasil, Huayna Potosi, Campo Base do Everest, Caminho Francês de Santiago de Compostela, Elbrus, Kilimanjaro, Caburaí e Cerro Vicuñas, além dos trekkings ao Caburai e o Caminho francês de Santiago de Compostela.
Uma vida além da aposentadoria
Arlindo (à esq.) e o cunhado Édio Furlanetto (ao centro) no cume do Pico Huayna Potosi, na Cordilheira dos Andes
Claro que minha vida não se resume às montanhas. Passo bastante tempo com a família e os amigos, aproveitando da melhor forma possível os meus dias pós-BB. Aliás, minha trajetória no Banco do Brasil tem muito a ver com minhas atividades depois da aposentadoria. Após cinco anos de trabalho na agência Concórdia (SC), decidi pedir transferência para a agência Valença (BA) para seguir evoluindo na minha carreira no Banco.
Na sequência, solicitei transferência para Vitória (ES), Itajaí (SC) e Boa Vista (RR), onde, em 2 de fevereiro de 1979, casei com a colega de trabalho Joselita Maria Coimbra Zuchello. Em setembro daquele ano, nos mudamos para Concórdia onde tivemos dois filhos, sendo que passamos pela dor da perda da filha ainda jovem. Nosso filho Rodrigo acabou seguindo nossos passos e mora em Concórdia, onde também é bancário. Assim, lá se vão 40 anos juntos, celebrando as alegrias e agruras da vida com Joselita, compartilhando caminhos sempre que possível.
A aposentadoria chegou aos 48 anos, quando era gerente de atendimento na agência Concórdia. Posso afirmar que meus 24 anos de trabalho foram muito felizes no BB, pois no Banco eu aprendi meu ofício, me capacitei, fiz colegas que se transformaram em amigos da vida e tive ainda a oportunidade de conhecer o país por meio das agências nas quais trabalhei.
Além disso, posso afirmar que o tempo passado no exercício da ‘fiscalização’ no Banco, colaborou sobremaneira para o meu condicionamento físico – um benefício fundamental para a minha saúde e a prática da minha atividade de trekking ainda hoje. Isso, sem esquecer o aprimoramento na minha comunicação escrita por conta da exigência em apresentar laudos diários das visitas aos mutuários.
Claro, não dá para esquecer a parceria da Previ nessa jornada. Se hoje sou um aposentado com a vida tranquila devo muito disso a essa Entidade, que é um verdadeiro porto seguro, principalmente diante das dificuldades pelas quais o nosso país e os brasileiros estão passando.
Enquanto trabalhávamos, poucos de nós nos dávamos conta do quanto seríamos beneficiados pelas nossas contribuições compartilhadas. Assim, eu diria que sou e sempre serei grato ao Banco, que nos oferecia a vinculação à Previ. Um verdadeiro presente, que me permite hoje ser beneficiário de uma renda complementar à Previdência Social para seguir desfrutando minha vida em condições dignas.