Volta por cima
Com apoio dos comitês de cidadania dos funcionários do BB, mulheres de comunidades carentes juntam-se para produzir bolsas a partir de malotes descartados pelo banco
Frustrada com o fim de seu casamento e a perda do emprego como professora, Mônica Moura da Silva Duarte, de 44 anos, viu no trabalho manual e nos projetos realizados na Associação Comitê do Ponto Chic, bairro carente de Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro, uma forma para recomeçar a vida. “Quando tive de parar de dar aulas, acabei me acomodando nas funções de mãe, esposa e dona de casa. Em 2004, veio a separação e vi que tinha de fazer alguma coisa da vida”, relata Mônica, participante da oficina Nós do Ponto Chic, que integra um dos grupos de produção do Comunidades em Rede (formado pelo Comitê Elos de Cidadania, dos funcionários do BB, e mais três entidades).
Mônica e outras dez mulheres de Nova Iguaçu estão radiantes diante da possibilidade de levar as bolsas e os acessórios produzidos por elas, a partir dos malotes descartados pelo Banco do Brasil, ao Rio-à-Porter, salão de negócios que acontece no espaço do Fashion Rio, um dos maiores eventos de moda do país. O lançamento é fruto de uma das parcerias do Comitê Elos de Cidadania dos Funcionários do Banco do Brasil e Amigos com o Sebrae que, pelo quarto ano, terá um estande para expor e negociar produtos do Projeto Empreendedorismo Social do Rio de Janeiro. O objetivo do Rio-à-Porter, programado para janeiro de 2011, é oferecer a grupos de artesãos acesso ao mercado com possibilidades de vendas e captação de clientes, gerando renda, sustentabilidade e autonomia.
Projetos como esse representam muito para as pessoas. “Enfrentei momentos difíceis, ficava arrasada e chorava escondida para não deixar meus filhos ainda mais tristes com a separação. Minha filha chegou a ter uma grave doença psicossomática. Mas estamos dando a volta por cima”, diz Mônica, que levou a filha Louise, de 19 anos, duas irmãs, a mãe e a prima para também participarem do grupo.
As onze mulheres de Nova Iguaçu, assim como as integrantes do grupo Comunidades em Rede da Cidade de Deus, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, vêm se preparando intensivamente para fazer bonito no Fashion Rio com cursos práticos e teóricos.
Em Nova Iguaçu, por exemplo, as artesãs já tiveram aulas diárias, durante quatro meses, de corte e costura, modelagem e “patchwork” (técnica de costura usando retalhos) com profissionais do Senai, que formataram o curso a pedido do Comitê Elos. Segundo Ana Amélia Cavalcante, aposentada e participante da PREVI que se dedica ao Elos desde sua fundação, em 1993, o Comitê foi criado com base nas ideias do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.
Atualmente, as artesãs contam com a consultoria de design e artesanato do artista plástico e estilista Cocco Barçante, do Projeto de Empreendedorismo Social do Sebrae-RJ. “Estou desenvolvendo com o grupo Nós do Ponto Chic oficinas de identidade artesanal e a criação da coleção Dom (Dignidade, Ousadia e Maestria) com a linha Harmonia, que será apresentada no evento oficial de moda do Rio”, explica Barçante. Os grupos recebem formação em gestão de negócios e empreendedorismo dada por profissionais do Sebrae, além de consultoria técnica, oferecida por três anos.
Ana Amélia acrescenta que elas passarão ainda pela formação em cidadania, uma exigência do Instituto Cooperforte, um dos apoiadores do projeto. A Fundação Banco do Brasil também aprovou a proposta e doou as máquinas de costura que utilizam.
Com a tristeza deixada de lado, Mônica conta que a costura não é seu forte. Sempre preferiu o bordado e a tapeçaria. Mas, no processo de desenvolvimento dos modelos das bolsas, descobriu-se uma pessoa bastante criativa. “Sugeri que as alças fossem feitas de trança. Ficou bem bonito. Estou confiante de que nosso grupo vai fazer sucesso. Cada uma tem um talento e terá de fazer quatro peças que serão julgadas por uma banca do Sebrae. É um projeto sério. Passamos a ter contato com um universo novo e com pessoas que eu jamais havia sonhado em conversar”.
Para Maria José da Conceição Andrade, de 46 anos, é um orgulho fazer parte de um grupo capaz de transformar malotes velhos em bolsas e acessórios bacanas. Há quase três anos na associação, relembra que, depois de o marido perder o emprego, precisou fazer peças de crochê para vender, ofício que aprendeu com a mãe, dona Luíza Alves de Araujo, de 72 anos. Bordadeira de mão cheia que veio de Itabaiana, na Paraíba, Dona Luíza caminha diariamente cerca de 40 minutos para conferir o trabalho da fi lha, e diz que só não põe a mão na massa porque está com a visão comprometida.
A filha, Maria José, se diz orgulhosa porque, com seu artesanato, consegue ajudar no sustento da família. “Vendo tudo que faço em casa. Sempre fui muito curiosa e aprendi diversas técnicas. Brinco que lá em casa é o lugar do presente de última hora”.
Além de vender suas peças artesanais, ela conquistou outras fontes de renda: na Associação Ponto Chic, coordena o projeto Catadores Cidadãos e participa dos grupos Geração de Renda e Comunidade em Rede. Também dá aulas de pintura em tecido na Casa de Repouso Real Idade e no projeto Escola Aberta. Maria José conta que, além de todo o trabalho, ainda tem de driblar o machismo do marido, que acha que o lugar de mulher é em casa. “Tenho amor pelo que faço aqui. Vejo o quanto mudei. Já não sou mais tão tímida e fico feliz pela experiência que adquiri e pelos trabalhos que desenvolvemos. Sonho em montarmos nossa loja”, diz a artesã.
Otimismo é o que não falta às meninas da “Comunidade em Rede”, de Nova Iguaçu. “Já venho sonhando com a exportação das nossas bolsas e cintos”, diz Kassia Regina Heizer Xavier, de 38 anos, que anda, diariamente, aproximadamente uma hora e vinte minutos entre o ir e vir de sua casa à associação, com o fi lho Gabriel, de 5 anos, que, muitas vezes, insiste para ganhar o colo da mãe durante a caminhada. Basta chegar à sede da associação para Gabriel alegrar-se diante da Estação Virtual. “É duro, ele já pesa 18 quilos. Ando tendo dores nas costas, mas é uma alegria ter a chance de trabalhar perto do meu fi lho, que já sabe mexer no computador mais do que o pai dele”, brinca Kassia.
A artesã, que já fazia bonequinhos e enfeites de biscuí, diz que há tempos queria fazer o curso de empreendedorismo do Sebrae, mas nunca teve dinheiro sufi ciente. “Sempre quis saber compor os preços das peças que confecciono. Felizmente, agora terei essa oportunidade. Espero em breve ajudar meu marido nas contas de casa. Por enquanto, o que recebemos no grupo dá para pagarmos as despesas da associação como luz, água e a matéria-prima. Acredito que o Rio-à-Porter abrirá um leque para o nosso grupo”.
Tentar ficar menos ansiosa é um dos maiores desafios para Kassia, que não vê a hora de o negócio das bolsas e acessórios deslanchar porque seu marido corre risco de perder o emprego. A empresa de ônibus em que trabalha foi vendida e ainda não se sabe o rumo que será dado aos antigos funcionários. “Recebo muito apoio aqui. Nosso grupo virou uma família. Sempre estamos ajudando umas às outras e aprendi muito sobre economia solidária”.
Mônica, Maria José e Kassia estão diante de uma nova perspectiva de vida graças ao trabalho de voluntários como Felipe Simão, de 29 anos, bancário da agência Lido, em Copacabana, no Rio de Janeiro que, desde os 16, ajudava o porteiro do prédio onde mora a estudar tirando dúvidas de matemática e português, além de sempre o incentivar a não abandonar os bancos escolares. Também foi voluntário num instituto que atende a crianças com câncer. Já sua atuação nos comitês de solidariedade dos funcionários do Banco começou após assistir às cenas da enchente de Apodi, no Rio Grande do Norte, onde centenas de famílias perderam tudo. Na ocasião, teve a iniciativa de coletar roupas e mantimentos para vítimas da tragédia. Depois, o gerente da agência em que trabalhava sugeriu que conhecesse o trabalho do Comitê Elos. Simão esteve nas reuniões, gostou do que viu e há três anos dedica parte de seu tempo ao próximo a partir das ações do Elos. “Não há difi culdades em conciliar o expediente do Banco com o trabalho voluntário. Gasto cerca de cinco horas por mês com essas atividades. É muito gratifi cante você ver uma pessoa feliz ao receber as doações. Meus vizinhos, conhecidos e amigos já sabem que gosto de ajudar e sempre estão me procurando para eu retirar doações.”
Sua função no Elos é divulgar as ações do comitê dentro do Banco. “Sou uma espécie de assessor de imprensa. Elaboro o informativo com a demanda do Elos, aprovo com a Ana Amélia e publico no sistema do BB. Costumo escrever os textos fora do meu expediente. Quando estamos com alguma campanha específica, espalho os informes, as caixas de coleta e vou conversando com os colegas e clientes”, conta.
Ele relembra de uma senhora, cliente da agência, que quis saber mais informações sobre a campanha de Natal. Mais tarde, voltou com dois sacos enormes com a coleção de ursinhos dela. Eram cerca de 300, todos embalados, separadamente, em saquinhos plásticos.
Ana Amélia, do Elos, destaca que o principal objetivo é tornar esses grupos de produção autônomos com geração de renda. Além das parcerias conquistadas, que resultaram na capacitação, na compra de equipamentos para as ofi cinas de costura, o comitê está em busca de recursos para o desenvolvimento completo da linha de produtos a ser apresentada no Rio-à-Porter. Para isso, aposta no fornecimento de brindes corporativos criados pelos grupos de artesãos como blocos de notas, porta-lápis, agendas e caixas confeccionados com papel reciclado artesanalmente. Também está sendo realizada uma campanha para a doação de um vale-refeição por mês, por meio de débito automático, para o Comitê Elos conta 24792-8, agência 0392-1. O formulário de autorização do débito automático está disponível no site www.comiteelos.org.br. Nele, também é possível conferir todos os projetos desenvolvidos. O Comitê Elos da Cidadania funciona no 22º andar do prédio do Banco do Brasil, na rua Senador Dantas, 105, no Centro do Rio. Os telefones para contato são 3808- 3720 (que atende às terças e quintas, pela manhã) e 9755-9736, com Ana Amélia.
Outro grupo de ação solidária com participação de funcionários do BB, o Comitê CARJ de Solidariedade e Cidadania, realiza diversos projetos nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer. O CARJ tem sua sede no Andaraí, zona norte do Rio, e funciona às terças, das 14 às 18h e às quintas, das 9h30 às 12h30. Para saber mais sobre o comitê e como ajudar em seus projetos, acesse www.comitecarj.org.br ou ligue para (21) 3808-5809 e 3808-5826. O CARJ recebe doações em dinheiro por meio da conta número 1901-1 do Banco do Brasil, agência Andaraí-RJ (2933-5). As doações também podem ser feitas por débito automático.
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