No caminho certo
A consultora Clarissa Lins analisa a qualidade dos relatórios de sustentabilidade de empresas brasileiras e destaca a impressão que teve sobre o relatório da PREVI
Mestre em Economia pela PUC-RJ, Clarissa Lins montou, em 2004, a área de Sustentabilidade Corporativa na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e assessora empresas nessa área. Em 2008, estruturou a parceria com a consultoria especializada inglesa SustainAbility, com o objetivo de conduzir pesquisa inédita no Brasil sobre a qualidade dos relatórios de sustentabilidade.
Convidada, participou do debate de lançamento do Relatório de Responsabilidade Socioambiental da PREVI neste ano. Para falar sobre o estágio em que estão as empresas brasileiras nessa área e as impressões que teve sobre o relatório da PREVI, a diretora executiva da FBDS foi entrevistada com exclusividade pela Revista PREVI. Veja os principais trechos.
Revista – Para quem não conhece, vamos falar um pouco sobre a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), da qual a senhora faz parte.
Clarissa Lins – É uma entidade sem finalidade lucrativa, que existe desde 1992, e que nasceu muito em função das Convenções Quadro da Rio-92. A grande preocupação era entender as mudanças climáticas e seu impacto na biodiversidade. No decorrer do tempo, essa missão foi evoluindo e, há seis anos, vim para cá criar a área de sustentabilidade corporativa, no intuito de trazer o mundo corporativo mais para perto dessa problemática. O que a fundação faz é tanto gerar conhecimento sobre sistemas, mudanças climáticas e sustentabilidade e os impactos no mundo corporativo quanto prestar consultoria para empresas que queiram inserir essa temática na sua agenda.
Revista – Muito se fala sobre os relatórios de responsabilidade socioambiental. Eles são uma moda ou uma ferramenta realmente importante para empresas e fundos de pensão?
Clarissa – Aqui na fundação, a gente trabalha com essas ferramentas de gestão para a sustentabilidade, acompanhando as tendências há alguns anos, e vê que uma das principais ferramentas que as empresas usam para prestar contas, de uma forma geral, de suas atividades e de seus impactos para diferentes públicos é o relatório de sustentabilidade. Há uma vontade clara de se adequar ao que hoje é cada vez mais comum. Embora nem todas entendam o que significa esse relatório e algumas achem que é mais um momento de coletar fotos e falar das boas ações que praticam, isso, hoje, é minoria. Cada vez mais as empresas percebem que o relatório pode ser uma ferramenta de gestão e estão dispostas a prestar contas, falar dos impactos, dos desafios, dos pontos negativos que aconteceram naquele ano em sua vida...
Revista – Isso se aplica apenas a grandes empresas ou é uma prática que pode ser estendida a pequenas e médias?
Clarissa – A gente tem aí duas situações. Uma, é a do relatório impresso, que é distribuído para “N” interessados, que para uma empresa menor pode representar um custo adicional. Entretanto, hoje existem outras formas de comunicação com diferentes públicos que não necessariamente implicariam custo de impressão, como a possibilidade de fazer um relatório on-line. Ou seja, uma empresa média ou pequena que queira embutir boas práticas de transparência e de prestação de contas pode fazê-lo inspirando-se num relatório de sustentabilidade, mas colocando a informação num site. Se você me perguntar se há a mesma proporção de relatórios de empresas grandes e pequenas, vou dizer que não, as grandes empresas publicam mais. O que não significa que as outras não possam prestar contas na lógica da responsabilidade.
Revista – No caso de um fundo de pensão como a PREVI, que tem participação em muitas empresas, a maior função é ser indutor das boas práticas ou há algo diferente a ser feito?
Clarissa – O primeiro grande papel é o de indutor de boas práticas. Nesse sentido, o movimento da PREVI é absolutamente saudável, salutar e muito bem-vindo. É o maior fundo de pensão brasileiro que decide adotar diretrizes internacionais para prestar contas. Além do mais, tem uma parte que trata de como é feita a gestão interna. Do ponto de vista do impacto, isso é menor que o de sua prática nas empresas investidas, mas é certamente importante para o colaborador ver o contexto em que ele está inserido, e isso vai ter um peso importante. No papel de indutor de boas práticas, não tenho dúvida de que isso a coloca numa posição privilegiada de poder cobrar amanhã que uma empresa investida faça o mesmo. Isso muda o patamar de relacionamento da PREVI com as empresas investidas. E bota na agenda delas, dizendo: “eu estou pedindo para vocês, mas também já faço”.
Revista – A qualidade dos relatórios brasileiros está avançando?
Clarissa – A gente aqui da FBDS produziu um estudo sobre a qualidade dos relatórios em dezembro de 2008, que se intitula Rumo à Credibilidade, em que mostrava que esse movimento vinha ganhando importância no mundo corporativo brasileiro, mas que ainda necessitava de avanços qualitativos. Os relatórios ainda estavam muito enfeitados e retratando um mundo muito róseo para o que era a realidade das empresas. Esse estudo está sendo replicado e, até outubro, vou ter muito mais elementos para responder. Mas minha percepção é que estamos no caminho certo. A gente ainda não chegou lá, as empresas ainda não entenderam a importância de ter um relato equilibrado, com boas e más notícias, fazer uma contextualização do seu desempenho, dizendo: “melhorei isso aqui em “X%”, isso estava ou não dentro do que esperava, esse desempenho é comparável a esse ou aquele ator”, para que realmente o leitor dê mais importância aos fatos que estão lá relatados.
Revista – O que é “estar lá”, o que é importante nos relatórios de sustentabilidade?
Clarissa – Nesses estudos, a gente usa a metodologia da nossa parceira, que é a empresa inglesa chamada SustainAbility, para aferição da qualidade do relatório. É um conjunto de 29 indicadores em determinadas categorias. O que a gente vê ao aplicar essa metodologia a relatórios europeus e alguns de empresas norte-americanas é que eles “estão lá”. O que é “estar lá”? Primeiro é ser absolutamente transparente e verdadeiro, admitir suas falhas, seus desafios, explicar seu desempenho muito bem em termos de indicadores e adotar metas. Isso, de uma forma geral, ainda falta no Brasil.
Revista – O que a sociedade ganha com isso?
Clarissa – Acho que existe o ganho do entendimento da atividade da empresa e os impactos que isso gera. Ganha na qualidade da informação. E acho que muitas vezes a gente pode ter uma sociedade civil muito crítica, porque ela desconhece a realidade, o tamanho dos desafios, sua diversidade. A partir do momento em que você abre seu coração, faz um raio-X, até mesmo pode ajudar a sociedade a relativizar seus questionamentos. Essa sociedade pode falar: “agora estou entendendo que essa empresa lida com 20 questões e, por isso, a que estou questionando pode não ser a prioritária”. A empresa tem de conciliar esse meu questionamento com “N” outros. Acho que o ganho da sociedade é muito a aproximação, a legitimidade que a empresa passa a ter perante o consumidor, o fornecedor. São fortalecidos os elos com eles e com colaboradores, com a sociedade civil. Agora, acho que está faltando, no mundo de hoje, a gente fazer com que os analistas financeiros e os investidores também utilizem isso com rigor nas suas análises e recomendações. A gente começa a ver isso ocorrendo fora, o que a gente chama de rating de sustentabilidade, que são agências que montam modelagens de avaliação das empresas que já incorporam questões como preço de carbono, riscos de passivos ambientais ou utilização da água.
Revista – Falando especificamente sobre o relatório da PREVI, quais as impressões que ficaram?
Clarissa – A impressão geral foi muito boa, seja pelo pioneirismo, pela coragem, pela própria adoção da metodologia das diretrizes da GRI. Mas falta um pouco entender, de fato, o quanto a PREVI está sendo indutora de boas práticas, tanto nos fundos de pensão quanto nas empresas em que está investindo. A gente entende que a PREVI tem esse papel, mas não há ainda informação precisa sobre essa ação. Você tem isso de uma forma implícita, porque a PREVI mandou questionário para todas e “X%” respondeu que tem essas práticas, mas o caminho natural para os anos seguintes será mostrar a ação e a reação. Em linhas gerais está muito bom, está fácil, bem apresentado. Talvez na linha dos desafios falte falar um pouco mais dos que foram enfrentados ao longo do processo e, basicamente, mostrar os resultados de sua capacidade de indução.
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