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Os novos atores do Capitalismo

O livro The New Capitalists, traduzido no Brasil por iniciativa da PREVI e que será brevemente lançado, fala das alterações provocadas pela pulverização do capital e a entrada, principalmente, dos fundos de pensão nas empresas. É escrito em estilo fluente, apoiado em casos concretos do mundo corporativo, tornando a leitura agradável e estimulante

Por Marcelo Peron*

Não se deve esperar de Os Novos Capitalistas a aridez dos livros técnicos, ou as teses convencionais que circulam pelo mundo corporativo. Em seu espírito geral o livro é um compêndio de filosofia moral, no sentido elogioso que os próprios autores atribuem a Adam Smith, um dos maiores economistas clássicos. Discute-se, portanto, não uma realidade inexorável, mas os fundamentos mutáveis de um sistema socioeconômico que, para todos os fins, é produzido por homens e suas decisões, as quais, em grande medida, derivam de valores.

A grande novidade, e ela é muito bem-vinda, é que não se trata de um exercício que abstraia o mundo real para então melhorá-lo. Parte-se, bem ao contrário, do conhecimento minucioso das regras do jogo corporativo para, a partir delas, buscar mudar e, em certa medida, subverter sua lógica, de modo a produzir resultados, senão fantásticos e revolucionários, certamente inusitados e desejáveis, ao menos do ponto de vista do desenvolvimento sustentável.

Como se organiza a argumentação dos autores? Partem de uma constatação que não admite questionamento: a propriedade capitalista vem mudando de natureza ao longo do tempo, amadurecendo na direção de uma enorme coletividade de proprietários de títulos representativos de capital.

Essa tendência, em grande medida inerente à própria dinâmica capitalista, recebeu nas últimas décadas impulsos significativos, que advêm tanto do aumento da riqueza e dos fluxos de produção quanto de fenômenos demográficos associados. Ora, à medida em que há maior disponibilidade de recursos e aumenta o período de vida não produtivo de uma parte significativa da população, é preciso financiar adequadamente sua aposentadoria. Emergem, então, os fundos de pensão e seus congêneres, não como uma categoria nova de entes econômicos – uma vez que eles já existiam anteriormente – mas como uma classe de players, cujos volumes de ativos são suficientemente grandes para alterar as regras de funcionamento do sistema.

A propriedade capitalista, contudo, havia se pulverizado sem se democratizar. Até muito recentemente essa massa de proprietários – os novos capitalistas – não percebia o poder potencial que tinha em mãos, e outros atores, dentre os quais gestores de fundos e administradores públicos, exerciam, em seu nome, uma administração que, não raro, conflitava com seus interesses mediatos e imediatos.

Como se origina, então, o ímpeto para a mudança do paradigma, com se faz negócios e se organiza o mundo corporativo? Em primeiro lugar é fundamental notar que não se trata de uma revolução, não ao menos no sentido antigo do termo. Não há comitês centrais, uma plataforma, líderes e autoridades ungidos. A onda de mudança se assemelha, nesse caso, mais às redes de relacionamento na internet que, sem centros definidos, mas organizadas em torno de valores comuns, acabam gerando comunidades ativas na luta por suas teses.

Na qualificação desse argumento, o livro é pródigo em exemplos concretos. Vale-se deles, ainda, para desenvolver um conceito estruturante para seus fins: o de economia civil. Nessa passagem sensível, toma por analogia o par Estado/sociedade civil para indicar que também no mundo privado, econômico, existe uma porção de cidadania a ser exercida e que ela tem a ver com liberdade e valores, com o direito de organização segundo padrões que envolvem graus determinados – e relativamente flexíveis – de arbítrio.

A esta altura o leitor deve ser alertado para não incorrer em um equívoco. A economia civil não conduz à idéia de que coincidam interesses dos proprietários atomizados de capital e seus prepostos, gestores de empresas, fundos de pensão, administradores de portfólios dos mais variados gêneros. Se fosse assim, a tese do livro seria um enunciado não filosófico do fim da história, proposto pelo cientista político norte-americano Francis Fukuyama. O que se prega, no livro, novamente com farta exemplificação, é que os novos capitalistas podem se opor às práticas vigentes, alterando-as para atingir fins estritamente econômicos, a partir de valores de outras instâncias, como é o caso da responsabilidade socioambiental.

Não se trata, portanto, da certeza teórico-científica da emergência de uma nova fase do desenvolvimento capitalista, mas da conclamação a que todos nós, co-proprietários das engrenagens que edificam o mundo em que vivemos, assumamos nossas responsabilidades, de modo a mudar seus regramentos, formas institucionais, critérios de avaliação e valoração de produtos e projetos, empresas, performance de executivos, e assim por diante.

A defesa desse civismo ampliado se baseia em uma nova práxis e não no dogmatismo pseudocientífico. Não por acaso, seu capítulo de encerramento consiste de um conjunto de memorandos, dirigido a investidores institucionais, pessoas físicas, analistas, auditores, entre outros, sugerindo ações e não teses ou palavras de ordem. Parte significativa do prazer da leitura advém, por sinal, dessa proximidade, que nos conecta a todos.

* Marcelo Peron Pereira é economista formado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Pós-Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Atuou por dezoito anos no mercado financeiro. voltar
“Como entusiastas desta ‘economia civil’, o livro cumpre o papel de chamar a atenção dos principais agentes desta história para suas responsabilidades, com um destaque especial para os fundos de pensão. A qualidade intrínseca dos fundos de pensão, percebida pelos autores, é que eles reúnem características únicas que lhes conferem um papel especial nesta utopia: os fundos são grandes investidores (têm tamanho para jogar o jogo das grandes corporações); são investidores de longo prazo (têm razões para investir em estratégias de negócio sustentáveis); representam trabalhadores e aposentados (o que contrabalança a tendência de grandes e ricos acionistas se comportarem como magnatas); e possuem interesse na performance positiva do sistema econômico como um todo, já que não podem apostar suas fichas de maneira concentrada. Parece idílico demais? Pode ser, mas não deixa de ser verdade.”
Sérgio Rosa, presidente da PREVI
Os novos capitalistas exigem jogo limpo porque seus interesses, como os dos expectadores dos jogos olímpicos, são amplos e duradouros. Portanto, a economia civil que estão construindo não se constitui de empresas que se afastam da rota principal e se enveredam por desvios em busca de sucessos efêmeros que não duram mais que um trimestre ou um ano. Compõe-se, isto sim, de empresas que mudam de curso sob a orientação dos incentivos e desincentivos impulsores de mudanças duradouras no mercado como um todo. Daí decorre a adoção de novos métodos de gestão pelos executivos, de supervisão pelo conselho de administração, de participação pelos proprietários de ações, de intermediação pelos intermediários, de apuração do patrimônio e dos resultados pelos contadores e de influenciação pelos cidadãos.”
Trecho do livro Os Novos Capitalistas