Governança corporativa e o caso Souza Cruz
Depois de quatro anos de persistência, a PREVI conseguiu que fosse instalado um conselho fiscal na Souza Cruz, empresa da qual é acionista minoritária. Foi uma batalha longa que começou em 2004 e só terminou no último mês de março, quando a companhia de cigarros foi obrigada a acatar parecer da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), originário de reclamação feita pela PREVI. É uma conquista, fruto de uma postura cada vez mais ativa no mercado de capitais. Para o diretor de Participações, Renato Chaves, a decisão da CVM é um referencial para o mercado de capitais brasileiro, pois regula uma matéria controversa sobre a qual o Órgão ainda não havia se pronunciado. “É um recado para todos aqueles que queiram boicotar o direito do acionista de fiscalizar a administração da companhia”, diz.
A meta de eleger conselheiros fiscais
Mas o objetivo dos acionistas minoritários liderados pela PREVI ainda não foi alcançado integralmente. Falta conseguir indicar e eleger representantes no conselho recém-instalado na Souza Cruz. A interpretação dada à legislação é de que os acionistas minoritários com direito a voto deveriam apresentar, no momento da assembléia, no mínimo 10% do capital social para eleger um conselheiro. Na derradeira Assembléia Geral Ordinária (AGO), os acionistas controladores indicaram os três membros do conselho fiscal, uma vez que os minoritários presentes não alcançaram o percentual de 10%. Em conjunto, os minoritários presentes somavam apenas 7,4% do capital votante.
PREVI defende a utilização do Manual de Assembléia como procedimento padrão
A PREVI tem tido uma atuação constante na defesa da transparência na administração das companhias em que é acionista. Uma das práticas que incentiva é a utilização do Manual para Assembléia de acionistas. Proxy Statement, em inglês, o manual, comum nos Estados Unidos, deve conter informações suficientes para a compreensão dos assuntos a serem discutidos a fim de que os acionistas cheguem às reuniões devidamente preparados. Infelizmente, no mercado de capitais brasileiro as empresas geralmente não fornecem esse material de forma eficiente: o documento que apresentam é mera enumeração de tópicos a serem abordados, quase cópia do edital de convocação.
Essa prática pôde ser comprovada por meio da pesquisa realizada pela PREVI com empresas atuantes no mercado de capitais. O resultado revelou que apenas 11 das 150 empresas analisadas ofereciam um conjunto mínimo de informações claras e organizadas. A PREVI defende que o Proxy Statement seja procedimento-padrão. “A falta de informações dificulta o acompanhamento das companhias pelos acionistas e desestimula a participação nas assembléias. Uma assembléia do Wall-Mart, nos EUA, lota um ginásio de basquete para 15 mil pessoas. No Brasil, fazem-se assembléias em salas para menos de 15 pessoas”, afirma o diretor.
A PREVI, juntamente com a Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), já promoveu dois seminários para discutir mecanismos que facilitem o voto do acionista e incentivem a presença nas assembléias. O primeiro foi realizado na sede da Instituição, no Rio de Janeiro, em 18/1, e o segundo, na Bovespa, em 27/3. Os seminários reuniram executivos, analistas de mercado e investidores institucionais, com ampla divulgação na imprensa.
Evolução das questões regulatórias
O progresso no âmbito da regulação também é notável. Seja em questões referentes à participação em assembléias, ao detalhamento de pauta, em dúvidas relacionadas à elegibilidade e instalação de conselhos fiscais, as decisões da CVM têm contribuído para o crescimento e qualificação do mercado de capitais no Brasil. A Comissão ressalta que, como previsto em lei, se faz necessário que a administração das empresas divulgue suas propostas de assembléia, e que não se detenha apenas ao índice da pauta. O documento, por fim, deve ser enviado ao sistema eletrônico da CVM para que se torne acessível a todos. A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) salientou o comprometimento da autarquia em esclarecer reclamações formuladas por fundos de pensão, em carta enviada recentemente à presidente da CVM.
Postura ativa: dinheiro em caixa
Esse posicionamento firme que a PREVI vem adotando no mercado de capitais é reflexo do objetivo maior da Instituição: zelar pela boa gestão dos recursos dos associados. Uma vitória anterior – contra a Arcelor Mittal – representou milhões a mais no caixa. A história se desenrolou da seguinte forma: o maior siderurgista do mundo comprou o controle da Arcelor na Europa e ofereceu R$ 32,68 por ação para os acionistas minoritários da Arcelor Brasil. A PREVI pressionou, levou o caso para a CVM e conseguiu aumentar consideravelmente o preço da ação da Arcelor Brasil em mais de 50%, elevando-o para R$ 53,89. O resultado foi a venda das ações com direito à voto detidas pela PREVI na Arcelor Brasil por R$ 1,6 bilhão, superando a primeira proposta em R$ 636 milhões. Com a oferta pública de recompra de ações para o fechamento do capital estima-se que a PREVI receberá mais de R$ 400 milhões.
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Linha do Tempo do caso Souza Cruz
4/3/2004 –Assembléia Geral Ordinária - PREVI solicita apoio da Administração e dos acionistas controladores da Souza Cruz para instalação do conselho fiscal com a eleição do representante do maior acionista minoritário presente à assembléia, desconsiderando-se percentual para eleição - 10% de ações ordinárias. A Companhia informa possuir um Comitê de Auditoria, composto de membros externos ao Conselho de Administração, e esclarece que a instalação de Conselho Fiscal em caráter permanente não seria possível por falta de quórum legal exigido.
27/12/2004 –PREVI solicita aos conselhos de administração das empresas nas quais possui participação que discutam proposta de mudança estatutária, implementando o funcionamento do Conselho Fiscal permanente.
3/3/2005 –Assembléia Geral Ordinária - PREVI solicita instalação do Conselho Fiscal com base no § 3º, do art.161, da Lei n.º 6.404/76 e Instrução CVM n.º 324. Entretanto, foi considerada matéria prejudicada, pelo fato dos acionistas minoritários não apresentarem o quorum legal de 10% das ações com direito a voto, previsto em lei, para a eleição de um membro e respectivo suplente. Por sua vez, o acionista controlador eximiu-se de eleger representantes efetivos e suplentes não sendo, portanto, instalado o Conselho Fiscal.
24/1/2006 –PREVI envia correspondência ao Presidente do Conselho de Administração da Companhia na qual requer que para fins de eleição dos membros para o Conselho Fiscal seja adotada a escala de porcentagens de ações para instalação daquele órgão previsto no art. 2º da Instrução CVM nº 324, de 19/1/2000. A Companhia esclarece que, em virtude da inexistência de base legal, o referido pleito não poderia ser atendido. Ressalta, ainda, a existência na Companhia do Comitê de Auditoria em conformidade às diretrizes da Lei Sarbanes-Oxley.
10/3/2006 –Assembléia Geral Ordinária - PREVI solicita mais uma vez a instalação do conselho fiscal, com base na instrução CVM nº 324 e obtém o apoio de diversos acionistas minoritários que, com a PREVI, somaram 3,71% do total das ações ordinárias da Companhia. O acionista controlador acata o requerimento, mas não indica representante, tornando a solicitação sem efeito.
24/7/2006 –PREVI protocola correspondência na CVM requerendo providências urgentes em razão das dificuldades enfrentadas pelos acionistas minoritários na fiscalização da administração da Souza Cruz.
9/3/2007 –CVM decide que o conselho fiscal deve ser constituído uma vez alcançado o quórum exigido pela legislação para sua instalação (art. 161, §2º da lei 6.404/76), por meio de eleição normal de seus membros pelos acionistas que detenham representatividade suficiente para tanto (mesmo que somente o acionista controlador).
12/3/2007 –Souza Cruz recorre e obtém da CVM suspensão dos efeitos do parecer aprovado em 9/3/2007. Na Assembléia Geral Ordinária, a PREVI, com apoio de outros acionistas minoritários, solicita a instalação do Conselho Fiscal, mas, conforme ocorrido nos anos anteriores, o percentual alcançado não foi suficiente para a eleição de representantes.
10/7/2007 –Em processo administrativo CVM instalado em razão de recurso apresentado pela Souza Cruz S.A., o relator manifesta parecer favorável à instalação do conselho fiscal e declara a não obrigatoriedade de indicação de representante pelo acionista controlador, podendo os demais acionistas com direito a voto fazê-lo qualquer que seja o percentual.
14/3/2008 –PREVI solicita, em Assembléia Geral Ordinária, a instalação do Conselho Fiscal. Com base no parecer da CVM, a Companhia acata o pedido e indica os três representantes, uma vez que os acionistas minoritários presentes à Assembléia não alcançaram o percentual mínimo de 10% das ações ordinárias para a eleição de seus conselheiros.
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