A aposentadoria é uma decisão marcante para a maioria das pessoas e inaugura uma nova fase de vida. Para oferecer visões e reflexões sobre as mudanças internas e externas que costumam acompanhar a aposentadoria, a Revista PREVI conversou com duas especialistas na matéria. A psicanalista Neda Matos, que está à frente da Comissão Científica e de Ensino da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro, já atendeu em seu consultório a muitas pessoas que se aposentam e ficam sem saber o que fazer.
Para a consultora de empresas e mestre em Psicologia pela USP, Ana Perwin Fraiman, é necessária visão de longo prazo, cuidados com saúde e construção de rede de amigos para começar bem a fase da aposentadoria.
Revista PREVI – Está ocorrendo aumento da longevidade e, conseqüentemente, as pessoas ficam mais tempo aposentadas. Isso acaba gerando problemas?
Neda Matos – Na realidade, as pessoas foram criadas para trabalhar, produzir... é muito comum chegar ao consultório, independentemente de idade, paciente que se aposentou ou está perto da aposentadoria que diz: ‘não sirvo mais para nada, não sou mais útil’. A pessoa se sente rejeitada. Isso cria muitas vezes problemas de depressão, melancolias... A pessoa se desarticula. Evidentemente, quando ela pára de trabalhar, vai ter mais tempo e daí vem a questão: ‘agora o que eu faço comigo?’. Atira-se no mais profundo vazio. Porque é muito complicado dar-se conta de outras coisas se na vida inteira teve só um motivo: o trabalho. Quando perde esse motivo, parece que é o fim da linha. E isso acontece também com os mais jovens, porém com os mais velhos dá a sensação de morte, de finitude, que acompanha a gente desde sempre, mas trata-se de sensação com milhões de disfarces. Quando se aposenta, a pessoa pode achar que está mais próxima do fim, que não tem mais o que fazer, mas pode fazer roda de amigos, cursos, viajar, descansar. Descobrir outras coisas, não só o trabalho.
Revista – Como se preparar para essa fase? É possível amadurecer para se aposentar?
Neda – As pessoas não se preparam, estão vivendo cada vez mais e se aposentando muito cedo. Hoje em dia, com 65, 70 anos, é jovem. Só que para o trabalho já fechou “o tempo”. É como se tivesse discrepância entre a possibilidade interna, o viço, e uma realidade que é preciso aceitar. Isso é difícil. Porque existem pessoas que aos 80 anos estão dançando, viajando, têm uma vontade de viver muito grande. Enquanto existem outras que com essa idade perderam a vontade. Para isso, a terapia ajuda bastante. Para quem fica muito mal, se sentindo pouco ouvido, se sentindo alijado. Já atendi muita gente assim e tento trabalhar no sentido de descobrir outros potenciais. O que parece é que a pessoa estava tão envolvida com o trabalho que somente isso a mantinha.
Dentre as possibilidades de a pessoa dar a volta por cima está o desejo de vida que ela traz. Algumas pessoas mais, outras menos. O termo “dar a volta por cima” não é muito legal porque a gente sempre pensa em volta por cima diante de uma tragédia, de um drama. Mas para algumas dessas pessoas a aposentadoria é trágica e elas não conseguem olhar a vida por outro prisma. Há também quem diga “que bom, agora posso usar o tempo como bem entender”. E outros que desenvolveram interesses como a música, a literatura, os amigos, e isso preenche profundamente a vida. Existe uma postura ao encarar a vida que é independente até da idade.
Revista – Existe também muita gente que volta a trabalhar. Outros que partem em busca de sonhos que sempre tiveram e alguns passam a ser os “faz-tudo” para familiares. Existem diferenças entre esses grupos?
Neda – Tem também os que trabalham de maneira mais esporádica, tranqüila, com mais autonomia, montam consultorias etc. Mas acho que tem uma diferença mínima sim. Conheço gente que se aposentou e mantém a atividade que sempre teve, como um professor que faz o que gosta, com menos obrigações e diz ”já ganhei dinheiro, agora vou fazer o que gosto”. Ou monta consultoria para ganhar mais dinheiro, com dificuldade de se abrir para outras descobertas.
Há aquele que se torna o “faz-tudo” da família. Se é com satisfação, se é uma forma de se sentir útil, deixa a pessoa fazer... Vai também chegar um tempo em que vai dizer, “não quero mais fazer isso”, vai querer descobrir outras coisas. Não se pode pegar uma pessoa que trabalhou a vida toda e enchê-la de atividades. Ser o “faz-tudo” não pode ser uma função da qual não possa abrir mão.
Revista – É possível que esse sonho que se esperou a vida inteira também frustre?
Neda – Isso pode acontecer. Descobrir que aquilo que seria a solução da felicidade não satisfaz. Tem tudo que construiu e vê que não era aquilo. Mas o legal é poder estar vivo para ir atrás de outras coisas sem muita obrigação. Se achar, tudo bem. Se não achar, tudo bem também. é a mesma coisa de a gente, quando jovem, fazer certa escolha e depois descobrir que aquela pode não ser a ideal. A gente tem faltas e vai “tamponando” outras coisas. O ser humano tem essa busca e é importante.
Revista – A sociedade ainda discrimina as pessoas que vivem mais, que são aposentadas?
Neda – O idoso ainda é socialmente discriminado. Há algumas preocupações, como instalação de rampas, cadeiras em bancos, mas ainda é pouco. Não há o reconhecimento da sabedoria que tem, da experiência de vida, do que ainda pode dar, de que existe muita gente boa, que pode ter sua experiência, conhecimento, inteligência aproveitados, discutindo, escrevendo livros, participando de palestras. Mas é preciso também trabalhar com a família, pois ela é a primeira a ter dificuldade de acolher, passa a rejeitar, manda calar a boca. Diz coisas como: “você não entende”, “não é mais assim”. Daí, o idoso, que não tem mais a mesma disposição, vai se fechando quando se vê censurado.
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