Um pedaço bom da minha vida
O desenhista, cartunista e escritor Marco Carvalho trabalhou por 18 anos no Banco e na PREVI, enquanto colaborava
com publicações como Pasquim e Jornal do Brasil. Saiu, escreveu dois romances, livros infantis, faz a tira Classe Mídia...
O talento para desenhar, Marco Carvalho nem lembra quando se manifestou. Mas recorda-se de que ao sair do jardim da infância,
a professora disse: “Lá se vai meu desenhista”. A história no BB também deve muito a esse talento. “Entrei em 1981. Tinha certa
estrada em publicidade e fiquei sabendo que o Banco tinha uma gráfica. Fui lá antes do concurso. Quando cheguei ao setor de
diagramação, olhei para os caras e perguntei: ‘se fizer concurso vocês me botam para trabalhar aqui’? Eles ficaram olhando como
se eu fosse um marciano. Antes da prova voltei e avisei que havia me inscrito. Aí falaram: ‘calma, vai lá e passa primeiro’.
Assim que soube o resultado, voltei novamente e falei com o chefe do setor, o Enio Imbuzeiro, e ele me disse que ainda faltava eu
tomar posse. Tomei posse e fui lá de novo, coisa de 30 a 40 dias depois me transferi para a gráfica, onde trabalhei por 13 anos
seguidos.”
A persistência e um pouco de cara-de-pau foram as mesmas de quando, aos 16 anos, entrou na redação do Jornal do Brasil, então
o mais importante do país, com seus desenhos e cartuns embaixo do braço e pediu uma vaga. “O cara que me atendeu jogou um balde
de água fria, dizendo: ‘você não sabe fazer isso’.” Está certo que depois, em outro período, voltou e ficou 15 anos no JB. Mas,
neste primeiro momento, para não desistir, foi importante outra característica de Marco. Em lugar de ficar se lamentando, tentou
descobrir o que estava fazendo errado, já que seus desenhos faziam sucesso entre os amigos. Conheceu, então, o artista plástico
e desenhista Juarez Machado, que deu algumas dicas e o indicou para mostrar seus trabalhos para Ziraldo, que então editava o
Pasquim, um dos mais importantes jornais alternativos da imprensa brasileira. “Fui lá e acabei muito bem recebido. O Ziraldo
tem aquele jeito de falar gesticulando, em que parece que vai te dar um tapa, mas achou legais os desenhos e passei a publicar
no Pasquim quase semanalmente. Foi meu primeiro e melhor editor”, afirma.
Voltando ao trabalho no BB, Marco diz que essa época foi muito boa em sua vida, porque gostava do que fazia, o que incluía
desenhar, ilustrar, fazer arte-final etc., tudo a mão. “Nessa época, o Relatório Anual do Banco era feito lá. A equipe já tinha
recebido prêmios, era uma coisa bacana”, conta. Outro motivo era a jornada de trabalho, das 10h às 16h, que permitia também
trabalhar num estúdio que montara junto com o cartunista Nani, que conhecera no Pasquim. “Trabalhava até a hora que agüentava.
No dia seguinte, se estivesse cansado, podia dormir até mais tarde porque morava perto. Fora isso, acordava cedo e ainda pegava
uma praia antes do expediente. Era uma vida muito boa e um período muito fértil”, diz.
Betinho e cidadania
Das coisas que gosta de contar, Marco lembra do acaso de um dia atender a um telefonema do sociólogo Betinho para o cartunista
Nani, em que pedia desenhos para um jornal que iria lançar, o Primeira e Última, que depois deu origem a iniciativas como o Ibase
e a Ação para a Cidadania. Ele e Nani mandaram os desenhos, mas era apenas o começo de algo maior.
Às vezes, Marco ia para Brasília fazer trabalhos no departamento que cuidava da comunicação interna do BB. Numa dessas viagens,
poucos dias depois do contato com Betinho, ligaram para ele da Diretoria do Banco porque sabiam que estava lá e era da gráfica.
Era nada mais nada menos que um convite para fazer as peças de comunicação gráfica da Ação da Cidadania pela Vida contra a Fome,
capitaneada por Betinho e que teve o BB como a primeira empresa a aderir. “Considero um privilégio fazer certas coisas na história
do País, e fiz porque estava em Brasília nesse dia”, relata.
Fato importante também foi ter financiado o apartamento que hoje tem quando trabalhava na PREVI, em 1995, que quitou no ano
passado com a venda dos direitos de um livro que fez para o cinema. A carreira de escritor, na realidade, começou com a saída do BB,
que ocorreu em 1998. Segundo Marco, o motivo principal foi porque estava há quase oito anos sem reajuste, trabalhando 12h, 14h por
dia, sem tempo para outras atividades.
Sem contar que estava com dois filhos pequenos. “Queria cuidar da minha casa, das minhas crianças, vêlos crescer. Senão esse tempo
passa e você fica chupando dedo. Trabalhava no Banco e mais outro tanto no estúdio. Chegava em casa e ia acordar as crianças para
conversar com elas. Aí achei que seria melhor me demitir.”
Depois que saiu, dedicou-se também à carreira de escritor, vontade que já tinha, mas por falta de tempo deixava de lado. Lançou o
primeiro livro em 2002, Feijoada no Paraíso, em que retrata Besouro Mangangá, personagem mítico ligado à história da capoeira. Depois,
veio o segundo romance, A Testemunha de Bigode Sutil, que ganhou um prêmio Sesc de literatura, e mais dois livros infantis, Era uma Vez
um Ovo e a Lua para Principiantes. Agora, pretende lançar mais três. O terceiro romance está em gestação. Nele, vai em busca da origem
do samba, em cenários de bairros cariocas como a Saúde, a Harmonia, o Morro da Conceição, o Morro do Pinto.
Tudo sem deixar a primeira paixão, o desenho. Hoje suas tiras da Classe Mídia são distribuídas em vários jornais do País. Sobre o
período no BB, as recordações também são muito boas. “Sempre que encontro alguém do Banco tenho uma sensação de conforto. Estou há quase
dez anos afastado, mas é muito bom me lembrar de trabalhar com gente em que se pode confiar. Aqui fora, no mundo privado, você tem de
ficar catando a dedo em quem confiar. No Banco é o contrário, é um ambiente muito confortável. Trabalhar no Banco e na PREVI foi um
pedaço bom da minha vida.”
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