E agora, Totonhim? |
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O escritor Antônio Torres lança o romance Pelo Fundo da Agulha, em que o personagem principal mergulha em si para encontrar repostas sobre a vida e o que fazer a partir do primeiro dia da aposentadoria no Banco do Brasil |
O cenário: a cidade de São Paulo, onde você é capaz de suportar tudo, menos a falta do que fazer. O personagem: o ex-roceiro Antão Filho, o Totonhim, que veio do interior da Bahia para trabalhar em São Paulo como bancário do Banco do Brasil. O tempo: o primeiro dia de sua aposentadoria. A pergunta: depois de 30 anos no Banco, o que fazer a partir de agora? A busca dessa resposta é o fio que conduz o livro Pelo Fundo da Agulha, do escritor baiano Antônio Torres. Totonhim é o protagonista da história em que, segundo o autor, o sentimento é o de que passará a viver numa espécie de não-lugar. |
Este terceiro livro, que conclui a saga escrita por Antonio Torres de migrantes que saem do Nordeste e enfrentam a cidade de São Paulo com um olhar carinhoso, começou com Essa Terra, de 1976, e reapareceu em 1997, em O Cachorro e o Lobo, no qual Totonhim já é o personagem principal e se vê dez anos ou mais antes da aposentadoria, vivendo o conflito das mudanças do mundo, a reengenharia, o neoliberalismo, a globalização, com medo de perder o emprego.
No segundo livro, a resposta encontrada por Totonhim, seu narrador, foi estudar muito e ascender dentro do Banco, chegando a gerente de recursos humanos. Fechando a trilogia, em Pelo Fundo da Agulha, ele está sozinho. Aposentou-se, separou-se da mulher e dos filhos, perdeu o melhor amigo.
Como resume o próprio autor, Totonhim está em uma nova encruzilhada.
O escritor nas ruas de São Paulo.
“Tenho experiência muito grande com os migrantes
da periferia. Eles viviam com essa saudade da Bahia, mas havia uma coisa amorosa com São Paulo.”
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O homem deita na cama e pensa no sentido de tudo. Não há ninguém para consolá-lo e ele se sente perseguido pelas histórias de amigos e parentes que se suicidaram. “Tentei, fazer uma reflexão sobre o crepúsculo do mundo em que vivemos. Um mundo pós-utópico, pós-modernista, pós-tudo. Entendo que por trás dos impasses do personagem não estão apenas os meus próprios. Nem apenas da minha geração. O que me parece é que de repente nos vemos todos – jovens, adultos e velhos – numa espécie de encruzilhada do tempo, em busca de uma saída para o futuro. E onde está esta saída? Eis a questão”, conta.
Perguntado se o personagem revela muito do autor, Torres sai com a frase de Flaubert, que “Madame Bovary sou eu”, resposta que o francês teria dado à pergunta de quem inspirara um de seus mais conhecidos personagens. Como a dizer que Totonhim sou eu, Antônio revela muitas de suas coincidências. |
Os dois nasceram no interior da Bahia, na cidade de Junco, hoje chamada Sátiro Dias. Vieram jovens para São Paulo, o personagem para trabalhar no Banco do Brasil. O autor, aos 20 anos, na capital paulista começou a trabalhar no jornal Última Hora. Se Totonhim fez carreira e se aposentou no Banco,Torres virou romancista em 1972, escrevendo Um Cão Uivando para a Lua, que causou grande impacto entre o público e a crítica, sendo considerado a revelação do ano. “Uma estréia feliz, que me abriu as portas do mundo da literatura. A partir fui embora”, comenta. Carreira de sucesso no Brasil, com dezenas de livros lançados, e em países como Portugal e França (para mais informações consulte www.antoniotorres.com.br).
Pesquisa
A opção profissional do personagem vem da constatação de que para quem morava no interior, na sua juventude, o horizonte era ir para as Forças Armadas, para o seminário (a Igreja), ser funcionário do Banco do Brasil ou da Petrobrás. “Essas eram as carreiras sonhadas pelos pobres do interior.”
Para compor Totonhim, Torres diz que entrevistou muitos aposentados do Banco: “aposentado, para pegar um perfil psicológico do momento em que o homem perde o seu crachá, e de pessoas da ativa, que “quando trabalham têm seu e-mail como sobrenome, fulanodetal@bb.com.br A hora em que a pessoa perde isso passa a se sentir numa espécie de não-lugar. Esse é o sentimento do personagem”, diz.
Além das pesquisas, o escritor também contou com a ajuda de seu primo, Marcelo Torres, “que fez concurso ainda lá na cidade de Junco e hoje trabalha na Diretoria de Marketing e Comunicação do BB em Brasília e me ajudou muito a construir o perfil do personagem. Ele pesquisou, me mandou dados que estão no romance, não só do sentimento do aposentado, mas também da questão concreta, real, o que o cara perde. Pois mesmo que mantenha o salário real, ele fica sem os benefícios de quem continua trabalhando, mas, sobretudo, o convívio. E isso é o que pesa mais. O envelhecer já vai criando limitações em termos de convívio, você sabe que isso é real.
O sentimento de perda econômico e social. O colega de trabalho, a secretária, as estagiárias, a sala, o telefone, o e-mail, o celular, todas perdas que são reais”, diz Torres.
Se há muitas perdas, o autor é otimista com seu personagem e diz que o livro tem uns toques de auto-ajuda. “Porque a voz interior desse homem o acompanha nas coisas que ele pode fazer. Ele pode se dedicar mais a andar, a fazer seções de teatro-terapia, fazer acupuntura e, sobretudo, pegar os livros na estante e corrigir o déficit de leitura dele, participar mais de eventos culturais. Também pode, pelo preparo dele, ser um gerente de recursos humanos, dar aulas em uma universidade, reencontrar o lugar de convívio.”
Sobre o desfecho, Antônio explica o título da obra que, nessa revisão da vida, Totonhim repassa a sua história e se sente mais leve, a ponto de passar pelo fundo da agulha, como na referência bíblica. Se durante o livro o suicídio é uma das hipóteses, no final ele se refaz: decide que no dia seguinte vai reencontrar os filhos, que estão perdidos pela cidade, vai almoçar com eles. “Aí entra na região sem tempo dos sonhos.” E tudo fica aberto para o leitor descobrir que sonhos serão esses. |
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Pelo Fundo da Agulha
Editora Record
R$ 34,90 |
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