|nº 116| Julho 06

Nesta Edição » Amaro - Futebol por acaso

Amaro: ganhou de Pelé, mas,
literalmente, o estádio caiu
Jogador por acaso

Amaro, volante que enfrentou Pelé e Garrincha e teve carreira em grandes clubes do Rio e no exterior, hoje vive de aposentadoria e de bens que conquistou à época de jogador. Ele é uma exceção entre seus contemporâneos. A maioria vive “de favor” em casas de parentes porque não planejou a aposentadoria


O dia: 18 de dezembro de 1960. América e Fluminense disputavam o primeiro título do recém-criado Estado da Guanabara. O Flu sai na frente, mas não consegue evitar a virada do adversário, que se consagra campeão. Uma vitória particular para Amaro Viana Barbosa, então com 23 anos, que se tornou jogador contra a vontade do pai. “Ele detestava que eu jogasse bola, me batia. Queria que eu fizesse Medicina”, recorda Amaro, hoje com 69 anos e ainda com plena disposição para jogar com os amigos, muitos ex-jogadores como ele.

E o volante

Posição em que jogava no meio de campo – começou um pouco por acaso, em 1957, quando um surto de gripe asiática derrubou dois jogadores do América. Na estréia, vitória por 4 a 0 sobre o Olaria, time do subúrbio do Rio de Janeiro. Em seus quase doze anos de jogador profissional, Amaro conviveu com estrelas como Pelé, Garrincha, Telê Santana, Zagallo e Gérson. Apesar de bom jogador, teve pouquíssimas chances na seleção brasileira: na verdade, jogou apenas meio tempo, em 1961, contra o Paraguai. Mas o titular da posição era ninguém menos que Zito, do lendário Santos bicampeão mundial.

Tempos em que os jogadores não se preocupavam tanto com o futuro

Nas conversas entre eles, não se falava em aposentadoria. Enquanto estivesse jogando, tudo bem. “Alguns pensavam em ser treinadores, e só”, observa. O próprio Amaro viu vários companheiros com problemas, mesmo na geração tricampeã de 1970. “Todo mundo com dificuldade. O jogador de futebol nunca se importou com o futuro”, comenta. Além disso, lembra, os salários de seu tempo como jogador não tinham a dimensão de hoje. “Na minha época, um craque levava doze ou treze anos para comprar uma casa”, diz Amaro. “Era raro alguém ter carro.”

No destaque, Amaro com o
time campeão do Estado da Guanabara em 1960

Encerrada a carreira de jogador, jogou ainda pela Portuguesa e pendurou as chuteiras no Bonsucesso, em 1968 –, Amaro tornou-se técnico. Treinou times como o Olaria, o Bonsucesso, o próprio América e o Comercial de Ribeirão Preto. Simultaneamente, formou-se em Educação Física. Seus rendimentos vêm de uma pequena aposentadoria por tempo de serviço e, principalmente, de uma loja de produtos esportivos em um shopping no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio.
Em situação pouco melhor que a maioria de seus contemporâneos, ele enfatiza que a preocupação com a aposentadoria sempre foi uma raridade entre os jogadores. “Eles não são orientados para isso. Normalmente vão para a casa de parentes, é uma coisa muito triste”, diz, revelando que está envolvido em um projeto para criar a Casa do Ex-Jogador, em formato semelhante ao da Casa dos Artistas, que abriga veteranos em dificuldades.

Venda para a Itália

Amaro deve muito da boa situação em que se encontra em comparação com outros jogadores a uma oportunidade que mudou sua vida. Em 1961, já consagrado no América, foi negociado com a Juventus de Turim, na Itália. Negociações com times estrangeiros eram raras naquele período. Para ter uma idéia, com o dinheiro o clube comprou nada menos que um estádio.
Entre as partidas de que participou, ele recorda com especial carinho uma contra o então poderoso Botafogo, em 1959. O técnico do América, que não gostava de Amaro, colocou-o na lateral esquerda. A missão era, no mínimo, ingrata: marcar Mané Garrincha, cujos marcadores foram batizados de “joões”, simples vítimas do endiabrado ponta botafoguense. No primeiro tempo, Amaro não escapou da sina: não viu a bola, nem Mané, que fez o que quis em campo – apesar disso, o placar ficou em 1 a 1. Mas no segundo tempo a história foi diferente. “Acho que o Mané tinha gastado tudo”, brinca o ex-jogador. O América virou e Amaro ainda fez o terceiro.


Amaro, após consagração no América,
foi negociado com a Juventus de Turim
Ele também teve seus duelos com Pelé. Em 1964, já jogando pelo Corinthians, em uma partida contra o Santos, ganhou uma disputa com o “rei do futebol”, mas pouco depois uma parte do estádio da Vila Belmiro desabou. “Justo no dia em que eu ganhei dele o estádio cai”, lembra, rindo. Amaro também faz uma “ponta” involuntária no filme Pelé Eterno: aparece levando uma bola no meio das pernas. Mas promete ir à forra. “Vou achar uma cena em que eu passo a bola no meio das pernas dele. Vem aí Amaro Eterno”, diz, sempre bem-humorado.
O tempo livre Amaro passa, claro, jogando bola. Entre os parceiros de time, está o ex-jogador e atual médico Afonsinho. De vez em quando, aparece para jogar no Centro Recreativo Vinícius de Moraes, onde Chico Buarque defende as cores do Politheama. “O Chico joga direitinho, mas prende muito a bola”, entrega.