|nº 121| Janeiro 06

Nesta Edição » Viver bem
Questão de saúde

Drauzio Varella, autor do livro Estação Carandiru e apresentador de quadros sobre saúde no Fantástico, fala sobre como viver bem e vencer as epidemias do mundo moderno

Viver bem é o que todos nós queremos. Viver mais também. Só que para alcançar essa dobradinha, é preciso transformar a vontade em hábitos diários. Essa é a chave para nosso corpo funcionar melhor e nossa mente também. É preciso dar a devida prioridade à saúde, ter disciplina e perseverar. Sobre esse assunto, o doutor Drauzio Varella conversa com nossos leitores–aposentados de hoje e de amanhã. Ele abriu o programa da PREVI sobre qualidade de vida no trabalho.


Drauzio Varella em palestra para funcionários da PREVI na abertura do programa sobre qualidade de vida no trabalho
OS MAlEfÍCIOS DO CONfORTO
Todos queremos viver bem e, se possível, com o menor esforço. Vivemos numa sociedade do conforto com coisas sempre ao alcance da mão, mas nosso corpo é destruído lentamente. Nós passamos a vida inteira assistindo a televisão, mas hoje ninguém mais aceita uma televisão sem controle-remoto. Nós subimos e descemos escadas desde a Idade da Pedra, hoje andamos de escada rolante. Porque temos tendência a ser sedentários.
Se eu perguntar a um grupo de pessoas quantos acham que o exercício físico faz bem, todos vão levantar a mão. Não apenas sabem teoricamente, como sentem os benefícios do exercício quando praticam: você anda bastante, vai para casa, toma um banho... Sente-se bem porque o exercício libera mediadores químicos que agem no sistema nervoso central e na musculatura, então dá uma sensação de relaxamento, de paz interior. Agora se eu perguntar a esse mesmo grupo quantos praticam atividade física, pelo menos 30 minutos andando forte, cinco vezes na semana? Não dá 10%.
O CORPO É uMA MáquINA
O exercício físico é antinatural. Temos de nos convencer disso. A questão tem de ser analisada à luz da evolução da espécie. Vivíamos em cavernas, tínhamos de sair atrás de comida, andar, gastar energia em grande quantidade.
E, depois de comer, fazíamos o quê? Um pouco de exercício para perder a barriga? Não. Ao contrário. Não há um animal que faça isso! Comem e param, porque eles têm que economizar energia. A evolução foi toda nesse sentido. Mas o corpo humano é uma máquina preparada para o movimento. Quando se restringe a movimentação, passamos a ter uma situação complicada. Só que essa complicação não aparece no primeiro momento. Se a gente parasse de fazer exercício e depois de 15 dias não conseguisse andar, todos sairíamos andando o tempo inteiro. Mas leva-se anos para as articulações ficarem mais rígidas, para os músculos encurtarem, até que chegue um momento em que começamos a sentir fisicamente dificuldades mais sérias. O corpo resiste muito e os seres humanos não são especializados em planejamento em longo prazo.
O corpo humano é uma máquina feita para o movimento. Mexa-se: ande pelo menos 30 minutos, cinco vezes na semana.

DISCIPlINA É FUNDAMENTAl
Aqueles que ficam esperando disposição para fazer exercícios, esqueçam! Não virá! É uma ilusão. Pode vir em um fim de semana, você dormiu cedo no sábado e fala “vou para praia, vou andar!” Como colocar isso no dia-a-dia? Eu acho que só existe um jeito: é disciplina militar mesmo. Porque no trabalho nós temos essa disciplina. Se aparecer uma ordem de todo mundo chegar ao trabalho às 6 h da manhã na semana que vem, todos
cedo para fazer exercício, ninguém levanta. Temos com o trabalho uma consideração que nós não temos com os nossos corpos. Você vê pessoas que perdem sangue na urina e não procuram um médico. Você diz: “Como? Há dois anos está sangrando na urina!” Imagina se seu carro estiver pingando óleo, se você não leva ao mecânico imediatamente!
RISCOS DO AlCOOlISMO
O estresse que vivemos nos empurra para as drogas mesmo. Depois de um dia duro de trabalho, trânsito, complicação com filho na escola... Você toma um uísque ou uma cerveja e sai do inferno para o paraíso em segundos. O problema é que tem que ter controle e esse controle é difícil. Não é igual para todos. Há fatores de risco para o alcoolismo. Famílias com alcoólatras têm incidência maior de alcoolismo. O segundo fator de risco é a resistência ao álcool. Os que vão desenvolver o alcoolismo são aqueles que saem com os amigos, bebem mais, entregam os bêbados de casa em casa e ficam ótimos. Outro é aquele que bebe depressa. Se você sai com os amigos, está todo mundo começando a tomar o chope e o seu já está acabando... Fique esperto! Mas, o fato de ter a tendência não quer dizer que você será alcoólatra. Você pode controlar. A medicina considera hoje o alcoólatra como aquele que perde o controle diante do álcool.
Dois fatores de risco para o alcoolismo: ter pessoas com a doença na família e ter resistência para beber.

Reposição hormonal
Durante os anos 90, a reposição em mulheres era algo quase obrigatório, porque diminui os ataques cardíacos, melhora o perfil lipídico, isto é, baixa o colesterol ruim e faz subir o bom. Reduz também o número de casos de doenças de Alzheimer, melhora as condições da pele, aumenta a lubrificação vaginal, o que beneficia o aparelho genito-urinário externo, diminuindo o número de infecções urinárias. Só tinha vantagens. Aí os americanos fizeram um grande estudo e observaram que a reposição hormonal aumenta o número de ataques cardíacos: 28% a mais; aumenta em 27% os derrames cerebrais e em 30% o câncer de mama. Mas traz menos osteoporose, menos fratura e menos câncer de colo de útero, mas ninguém sabe por quê. Por isso a reposição hormonal tem de ser analisada caso a caso.
Se você teve irmã ou mãe com câncer de mama, não faça reposição. Seu pai morreu aos 42 anos de infarto, sua mãe de derrame cerebral, não vai fazer.
Você é fumante, diabética, hipertensa, não vai fazer. Agora, se não tem doença cardíaca na família, não é diabética, não fuma, não leva uma vida sedentária, mas é miudinha e magra, tem maior tendência para desenvolver osteoporose, pode ser útil. Ou, ainda, se é uma mulher que foi devastada na passagem para a menopausa, é indicado. Mas a tendência moderna é usar por um tempo curto e com um mínimo de doses necessárias.
Mulheres com histórico de câncer de mama e de derrames na família não devem fazer reposição hormonal. fumantes, hipertensas e diabéticas também estão neste grupo.

Doenças cardíacas em mulheres
A mulher briga com o marido para ele ir ao cardiologista, fazer exercício, não comer carne gordurosa etc. Mas ela não faz isso. Acha que mulher não tem problema cardíaco. Não é verdade. Posso garantir que, de todas as mulheres, de cada três uma vai morrer de doença cardiovascular. As mulheres, de fato, estão protegidas porque os hormônios sexuais femininos dão essa proteção. Mas ultrapassada a menopausa, o risco é exatamente igual ao dos homens. E as mulheres não são conscientes disso. Fazem a mamografia a partir dos 40 anos, todo ano, como deve ser: em cada nove mulheres uma vai ter câncer de mama. No entanto, o risco de doença cardiovascular é muito mais alto, e as mulheres não têm consciência disso.
Mulheres: atenção para o coração após a menopausa. Uma a cada três pode morrer por doença cardiovascular. O risco é maior que o de câncer de mama.

Cigarro, a pior das drogas
A nicotina é a pior de todas as drogas em termos de dependência. Fiquei 13 anos trabalhando na Casa de Detenção, no Carandiru, e continuo trabalhando em centro penitenciário. Se você pega os meninos que fumam crack, e os tira do ambiente, eles param com facilidade. Mas a nicotina é uma droga excretada muito rapidamente. Você dá uma tragada, a fumaça vai para o pulmão. O pulmão só tem vasos e está ali para trocar oxigênio e gás carbônico. A nicotina entra por esses vasos, é absorvida e chega ao cérebro em seis a dez segundos. Em 20, 30 minutos, a quantidade de nicotina no sangue está caindo muito. E aí, você acende outro cigarro e fica fumando o dia inteiro. Nenhuma outra droga é assim.
O cigarro é uma doença, pois produz dependência química muito forte. Se você fuma, dê um jeito de largar. Peça ajuda.

Depressão é coisa séria
Síndrome do pânico e depressão, são três vezes mais freqüentes em mulheres que em homens. E essa é uma doença séria. Na depressão não existe felicidade possível. É uma doença que interfere no apetite, no sono. Para todo lado que a pessoa olha a vida, a vida é uma devastação. Aí a família enlouquece o deprimido dizendo que ele tem que reagir. Se ele conseguisse reagir, não era deprimido. Quando tiver um caso desses na família, tem que levar para o médico. O doente só sai com medicamento. É muito difícil sair da depressão por livre e espontânea vontade.
Em casos de depressão, é necessário auxílio médico. É muito difícil sair sem cuidados especiais.

é fácil perder peso com Dieta, o duro é manter
Toda hora tem uma dieta da moda e todas dão certo. Quem escreve livros sobre dieta fica rico porque você faz aquilo ali e emagrece. Qualquer dieta funciona porque é baseada em diminuir as calorias ingeridas. Se você diminuir o número de calorias, perde peso porque pega o cérebro desprevenido num primeiro momento. Então perde dois quilos em dez dias, num mês perde três quilos e meio... Ótimo! Só que na hora que o cérebro entende que aquilo é uma ameaça toma várias providências. A primeira é aumentar a fome. A pessoa acorda pensando em comida e sonha com comida. Em segundo lugar, reduz o que chamamos de metabolismo basal. É a chamada energia gasta em repouso. Há corpos que gastam muita energia em repouso. São os “magros de ruim”, aqueles que comem muito e não engordam. Quando o corpo já é econômico, o cérebro percebe que ele não está comendo, reduz ainda mais a energia gasta e aí o que acontece? Ele perde quatro quilos e meio e depois começa a patinar. Não perde mais peso. Para continuar a emagrecer, teria que reduzir ainda mais a quantidade de comida e não consegue porque tem limite. É fácil perder peso fazendo dieta, o duro é manter a perda.
Sedentarismo é perigoso
Existe um trabalho norte-americano muito bem conduzido feito com pessoas sedentárias com peso normal e com pessoas com sobrepeso, mas que realizam atividades físicas. Ocorreram muito mais doenças cardiovasculares entre aquelas que apresentavam peso normal e eram sedentárias. Você pode estar um pouco acima do peso. Cinco quilos, dez quilos... Se é ativo, se mexe, anda, pratica esportes, a chance de ter complicações é muito menor. Do ponto de vista físico, um pouco mais de gordura ou um pouco menos não muda nada. O que muda é acumular muita gordura.
Hoje sabemos que as células de gordura não morrem. Quando falta energia (o alimento), elas jogam o conteúdo na circulação e ficam murchas. O cérebro, quando percebe que essas células começam a se esvaziar, sabe que está faltando comida, porque foi treinado assim e entende aquilo como uma ameaça à vida. Então, toma algumas providências. Não interessa se você está com 200, 70 ou 45 quilos: perdeu gordura, o cérebro dá um jeito de manter o máximo do peso já atingido.
Câncer de próstata
É mais freqüente nos homens que o câncer de mama nas mulheres. O homem corre mais risco e não faz o controle. Por quê?  Primeiro, tem que ser feito com PSA, que é um exame de sangue. Se um homem de 55 anos, de repente apresenta um alto PSA, por que essa próstata começou a funcionar agora aos 55 anos? Isso é suspeito. Então tem que fazer provavelmente uma biópsia. Se fosse só isso, não ia haver problema nenhum. Todos fariam. O problema é que, em mais ou menos 20 a 25% dos casos em que existe o tumor maligno na próstata, o PSA não sobe, isso quer dizer que provavelmente você não tem nada na próstata, mas tem uma pequena chance de ter o tumor. Então isso precisa ser elucidado. Como? Com o toque retal. Se o toque retal for normal, o PSA normal, aí as chances são abaixo de 5%. Mas na hora do toque retal, os homens se recusam a fazer.
Homens: em cerca de 25% dos casos de tumor maligno na próstata, o exame de PSA não acusa. Por isso, o toque retal é necessário. Mesmo com resultados normais nos dois exames, ainda há 5% de chance de  se ter a doença.

Três perguntas da Revista PREVI para o doutor Drauzio
O médico cancerologista Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. Formado pela USP, foi um dos fundadores do Curso Objetivo, onde lecionou Química. Trabalhou nos anos 1970 com moléstias infecciosas do Hospital do Servidor Público de São Paulo e dirigiu por 20 anos o serviço de imunologia do Hospital do Câncer (SP). A Revista PREVI fez a ele as seguintes perguntas:

O senhor consegue incorporar à sua rotina a prática de exercícios?

Eu sou fanático por exercício, tenho uma disciplina militar. Moro no centro de São Paulo, pego meu carro, vou até o Parque do Ibirapuera, abro a porta e saio correndo, nem faço alongamento, porque se eu parar não ando mais.

Quais as doenças que podemos chamar de “epidemias” nos dias de hoje?
As epidemias do passado foram as doenças infecciosas: malária, tuberculose, grandes epidemias. As de hoje são diferentes. Quantos têm parentes diabéticos? Quantos têm parentes que sofrem de pressão alta? Essas são as epidemias modernas. Estamos tão acostumados que nem consideramos doença. A gente passa a aceitar essas patologias como se fossem uma condição normal e obrigatória que vêm com a idade. Não são obrigatórias. Não temos que desenvolvê-las de maneira alguma. Queremos viver 85, 90 anos. E viver bem, com condição física muito boa. Mas para isso vamos ter que vencer as epidemias do mundo moderno.

O senhor é enfático na questão do cigarro como uma dependência química das mais perigosas. Que conselho dá aos fumantes?
Quem fuma tem que dar um jeito de largar. Tem que tentar pelo menos. Mas há gente que não larga de fumar. Trabalhei 20 anos no Hospital do Câncer de São Paulo e cansei de ver pessoas com câncer de laringe, levantar a toalhinha e fumar pelo buraco da traqueostomia. Os fumantes têm que se convencer primeiro que o cigarro é uma doença. Produz dependência química muito pesada. Você não consegue sair sozinho. Precisa de ajuda.